A captura dos agentes públicos

Arion Louzada

Em disciplina de regulação dos serviços públicos e das atividades econômicas examina-se a potencial utilização de poderes e recursos públicos no interesse de grupos econômicos. Constituem tarefas centrais na teoria da regulação econômica explicar quem são os beneficiários e sobre quem pesam os ônus do regulamento.
A regulamentação por parte do Estado pode ser imposta, mas pode ser muito querida por agentes econômicos específicos (setores industriais e concessionários de serviços públicos). 
Estreme de dúvidas, a regulação dos serviços públicos e das atividades econômicas, a um só tempo, é onerosa e benéfica. A questão é como os agentes reguladores distribuem ônus e benefícios.
A finalidade da regulação é proteger e beneficiar amplamente os consumidores, os usuários dos serviços públicos ou grandes parcelas selecionadas da população do país. Mas, é o que ocorre no Brasil? 
A regulação estatal não deve ser confundida com o conceito de interesse público de concessionárias e outros grandes grupos econômicos.
Entre os desafios do estudo da regulação jurídica da atividade econômica e dos serviços públicos concedidos está aquele de verificar quando, como e por que, grandes firmas se tornam aptas a manipular o Estado em seu benefício.

A onda dos preços altos

 Arion Louzada

A inflação no Brasil está elevada e é possível que continue crescente, em certa medida por causa das expectativas e apesar do aumento da taxa de juros. O Banco Central brasileiro (BC) tem se mostrado comprometido com a manutenção de preços relativamente estáveis. Preço é quantidade de moeda, a significar esta um conjunto: unidade de medida, reserva de valor e meio de troca. O dinheiro é como a moeda se expressa. Quando a autoridade monetária é complacente com a inflação os preços sobem, maior será a quantidade de moeda necessária para adquirir-se os bens, os problemas inflacionários eclodem e atingem as pessoas.  

O principal instrumento para limitar o crescimento da inflação é o aumento das taxas de juros. Quando o BC promove o aumento das taxas de juros seguido de outras medidas isso contrai o crescimento da oferta de moeda, mas produz desemprego elevado, ao menos temporariamente. Aumentar as taxas de juros para combater a inflação pode resultar em recessão, senão em depressão.

A injeção de dinheiro pelo BC na economia brasileira, promovida para evitar recessão faz com que os preços de bens e serviços fiquem mais altos. O impacto sobre a demanda agregada é inevitável. 

Quando na economia do país ocorre expansão da demanda agregada há redução do desemprego, mas uma redução à custa do aumento da inflação, que pode prejudicar a economia. Natural que isso cause temor e produza expectativas negativas.

Mas, demanda agregada é o quê? Para além de expressão econômica significa o consumo das famílias + investimento das empresas + gastos do governo + (exportação – importação). DA = C + I + G + (X – M).

Assim como a demanda agregada, a inflação é um termo da economia. Inflação é o aumento generalizado de preços dos produtos e serviços em um determinado lapso de tempo. Como vem acontecendo há algum tempo no Brasil. A inflação, aqui, é calculada por meio de um índice de preços, denominado índice de inflação, que reflete o custo de vida de famílias com renda entre 1 e 40 salários mínimos. 

Quando há aumento no custo de vida aumentam as expectativas de inflação. A principal característica da inflação é a diminuição no poder de compra do consumidor, por decorrência dos preços mais altos, que são mais altos porque há aumento de demanda. A demanda aumenta quando o governo emite muita moeda e/ou estimula o crédito com baixas taxas de juros. 

Alguma inflação é saudável para a economia do país, especialmente para o mercado de ações, mas inflação alta conduz muitas empresas ao fracasso.

Quando a inflação está alta muitos investidores tendem a procurar ativos reais, como o ouro, por exemplo. A migração de investimentos em ações das empresas para ativos reais sinaliza expectativa de crescimento da inflação.

Quando a inflação decorre de alta demanda de bens as empresas envolvidas com essa produção e comércio prosperam, especialmente por causa de seu alto poder de fixação de preços.

Os preços dos automóveis e dos imóveis no Brasil sobem espetacularmente com inflação alta, mas esse ritmo poderá diminuir, devido a elevação das taxas de juros impostas pelo BC. A realidade geopolítica, no âmbito internacional, todavia, impõe interdependência econômica entre os países, de tal modo que a inflação no Brasil conta também com o concurso de eventos econômicos externos.

Impossível que as tensões econômicas entre as duas maiores economias do mundo, EUA e China, não produzam efeitos no Brasil, um gigante agrícola. Fatores econômicos internacionais, como a redução ou aumento propositados da oferta de petróleo da OPEP, podem impactar o preço dos combustíveis e as taxas de inflação, por consequência, no Brasil e em outros países.

Os preços da gasolina, do óleo diesel, do gás de cozinha permanecem subindo acentuadamente, por aqui e alhures. Como inflação é o aumento generalizado de preços dos produtos e serviços torna-se muito difícil para a população se proteger da inflação no cotidiano.

As altas taxas de inflação podem tornar-se uma ameaça duradoura quando as expectativas de inflação são altas. Os consumidores brasileiros temem a inflação astronômica. Como não a temer?

Ainda que pareça razoável não esperar para logo uma inflação muito mais alta que a destes dias, por conta do efeito das altas taxas de juros agora impostas ao mercado pela autoridade monetária, impossível olvidar que as expectativas inflacionárias impactam a fixação de preços e as negociações salariais. Por enquanto a onda dos preços altos não dá sinais de arrefecimento.

A coruja de Atenas

 

Brasil, mundo, natureza e vida

 Arion Louzada

No Brasil há quem assevere que a Covid-19 é arte e engenho de um conluio entre chineses e seres extraterrestres. A assertiva andou recentemente ocupando espaço em jornais e até o Conselho Institucional do Ministério Público Federal brasileiro. Aqui há uma estância de gente graciosa, onde por suposto podem ser encontrados espirituosos de todo gênero. Na contramão da ideia dos ofensores da China, esta grande nação vem de concluir o planejamento para construção de uma sociedade saudável até 2030.

Apesar do tratamento precoce e do conjunto das absurdezas disponíveis, aqui e alhures observa-se o esforço da ciência e de muitos governos em favor da vacinação da humanidade.

Como não assentir que boa parte dos governantes mundiais diligencia por seus povos, ao vacinar a população, bloqueando a disseminação da doença, ainda que isso não seja o bastante, porque cuida-se de contenção e não de prevenção? Admirável a celeridade com que muitas autoridades de saúde e as farmacêuticas, de um modo geral, reagiram à pandemia de Covid-19. A despeito das dificuldades enfrentadas pelos sistemas de saúde também não parece excessivo vislumbrar o controle desta pandemia.

Se o controle da disseminação dos vírus causadores da pandemia de Covid-19 se aproxima, a experiência até aqui recolhida tem que servir para a implementação de programas de prevenção de novas epidemias e pandemias e não somente à contenção. A prevenção implica o estabelecimento de novas relações das pessoas com a natureza. A ação humana não pode continuar provocando efeitos danosos na natureza.   

A corrida atrás de remédios, depois que a doença se instala, não é a melhor política de saúde, para o Brasil ou para qualquer nação. A prevenção é a melhor política. Se existiram e existem bilhões de dólares disponíveis para desenvolver e fabricar vacinas, inverossímil que não possam ser alocados recursos para estancar as fontes de causação de novas pandemias. O mundo todo - e o Brasil muito especialmente - precisa adotar medidas preventivas.

Os governos nacionais e a Organização Mundial da Saúde (OMS) sabem quais são essas medidas, todavia pouco fazem em termos de prevenção. O discurso recorrente das autoridades governamentais e de saúde é no sentido da prevenção das pandemias, mas invariavelmente suas ações concretas não atacam o que as ocasiona.  

A melhor fiscalização sanitária de rebanhos bovinos, suínos e ovinos, um melhor controle da criação aviária e seu comércio, a proibição do comércio de animais selvagens, eis algumas medidas para o ataque às causas das pandemias. Os legisladores, os brasileiros especialmente, precisam majorar as penas cominadas àqueles que devastam florestas. O Judiciário precisa trabalhar com efetividade nessa área. A destruição de florestas permanece conduta nem sempre punida ou punível. A infeliz tradição de corte e queima pode levar a extinção das florestas primitivas brasileiras, como já ocorreu em outros lugares do mundo.

Os incêndios e a devastação da bacia amazônica não podem ser tolerados, em primeiro lugar, pelos brasileiros. Quantos indivíduos estão presos ou cumprindo pena por crimes contra o meio ambiente no Brasil? Nenhum. Povos estrangeiros cobram atitude dos brasileiros diariamente.

Como é possível que em face de condutas criminosas que se sucedem diante dos olhos dos brasileiros, dos nossos olhos, sejamos admoestados por estrangeiros? O que fizemos do nosso brio?

O estímulo à extensão das fronteiras agrícolas mediante desmatamento de florestas é ordinário. Intolerável que se continue a encorajar agricultores brasileiros a isso, o que ocorre quando autoridades ambientais agem com leniência em sua obrigação de fiscalizar, de combater a devastação. Infelizmente não falta quem simule atacar o desmatamento enquanto estimula o crescimento econômico insustentável.

A parte desenvolvida do mundo se ocupa do florestamento em escala faz muito e implementa mudanças na utilização do solo, reduzindo demanda de energia carregada por fósseis. A Alemanha e a Nova Zelândia estão treinando suas vacas para urinar em áreas pré-determinadas. A capacidade de coletar urina desses animais vai reduzir o impacto ambiental da pecuária. Enquanto isso, o Brasil, o gigante agrícola, derruba árvores para plantar braquiária.  

A febre suína africana, que hoje infesta todos os seis continentes, pode bater à porta brasileira a qualquer momento. No Caribe, a República Dominicana está abatendo dezenas de milhares de porcos. Os animais selvagens que sobrevivem às queimadas e destruição de florestas no Brasil e nos demais países da Amazônia ou no Caribe, na República Dominicana, transmitem às aves e aos rebanhos ovinos, suínos, bovinos e aos humanos vírus e doenças que a ciência, não raro, sequer suspeita ou conhece. Essa é questão de domínio público no ambiente científico.

 A Universidade de Harvard vem de constituir uma força-tarefa composta por especialistas de vários países e que deverá elaborar um plano de prevenção a ser entregue por Aaron Bernstein, a personalidades globais, para defesa. Paralelamente, a Organização das Nações Unidas (ONU) precisa reclamar de seus países membros a implementação de programas que evitem a contaminação de seres humanos, rebanhos e animais domésticos por vírus de animais selvagens.  

Em toda essa disciplina espanta a OMS sequer ter mencionado a transmissão de vírus por animais, quando asseverava que a pandemia de Covid-19 teria poupado milhões de vidas humanas se houvesse o mundo reagido rapidamente. Então, a OMS somente declarou a emergência da Covid-19 no final de janeiro de 2020, por quê? E ainda hoje, como denuncia Ziyad Al-Aly, diretor do Centro de Epidemiologia Clínica do Veterans Affairs St. Louis Health Care System, a OMS não reconhece o desenvolvimento de novas doenças metabólicas e cardiovasculares pelas ramificações de longo prazo da Covid-19 e suas implicações na qualidade e expectativa de vida das pessoas. Anomalias geradas pela Covid-19, segundo estudo relevante, se prolongam para além dos primeiros períodos da doença e mesmo quem não esteve hospitalizado está sujeito a desenvolver coágulos sanguíneos e insuficiência cardíaca.  

O Brasil contabiliza nestes dias 14,7 milhões de desempregados, inflação galopante, hospitais públicos sucateados e mais de 600 mil de seus nacionais mortos por Covid-19. Ainda assim segue corrente no paradouro dos graciosos a piada lúgubre de que vacinas podem transformar pessoas em crocodilos. Somos uns pândegos. Talvez não seja mais momento disso, mas de perceber-se que o tempo é de perspectiva de pandemias, assim, no plural, porque o meio ambiente foi e segue negligenciado.

A Nação precisa assumir seriamente responsabilidades com a correção do desequilíbrio ambiental e reclamar da comunidade científica nacional pesquisas inovadoras capazes de conduzir à produção de um ecossistema de saúde compatível com a extensão e complexidade do país mais importante da América do Sul.    

Nuvens de poeira acompanhadas de ventanias jamais vistas cobriram, recentemente, de um momento para outro, centros urbanos do estado de São Paulo, as cidades de Pirassununga, Ribeirão Preto, Barretos, Batatais, São Joaquim da Barra, Sertãozinho, Brodowski e outras. Também recentemente tempestades atingiram o Estado do Mato Grosso do Sul causando danos imensos. Em Corumbá, incêndios florestais seguem frequentes, especialmente no Pantanal.

Mais de 40 mil casas ficaram sem energia elétrica no Paraná por causa das tempestades neste mês de outubro de 2021. Alguns rios brasileiros estão secando. O aumento e a oscilação de temperatura combinados com chuvas e inundações e secas cada vez mais demoradas em determinadas áreas do Brasil impacta a produção natural de água. A crise hídrica é o problema do dia.  

Não podemos seguir maltratando a natureza. Não se pode mais, sob pena de graves consequências, deixar de observar a ameaça que paira sobre a saúde humana, animal e ambiental. Na Amazônia nacional, que engloba vários estados federados, mais de mil quilômetros quadrados de floresta tropical foram desmatados somente no mês de maio de 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Não causa estranhamento que esteja chovendo menos na Amazônia. Estudo recentemente publicado pela Nature Communications constata que, em imensas extensões, a floresta tropical amazônica virou savana. A comunidade científica estima que há ao redor de 100 bilhões de toneladas de carbono armazenadas na floresta tropical o que faz com que a Amazônia seja fundamental para a melhoria do clima não somente no Brasil, mas no planeta. Como não compreender que os estrangeiros também estejam preocupados?

Não existem organizações internacionais tratando especificamente o problema do desmatamento. Cada país precisa cuidar individualmente. O Brasil precisa agir individualmente. Se o país não atuar fortemente contra o desmatamento das florestas a meta do Tratado de Paris, de limitação do aquecimento global não será alcançada. A Organização Mundial para a Saúde Animal, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e mesmo a OMS não cuidam de desmatamento. O Brasil precisa cuidar disso. Com seriedade. Com política pública e fiscalização efetiva. Com atuação efetiva dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

As vacinas disponíveis e os medicamentos que estão sendo desenvolvidos visam o ataque às doenças atuais, mas é urgente também cuidar de prevenir novas pandemias e isso somente será possível prevenindo a propagação de vírus.

O Brasil se aplica em prestar atendimento médico, ministrar remédios e aplicar vacinas, sim, mas mais do que isso é importante também investir agora na prevenção fazendo com que a população e o estamento científico se voltem firmemente para a interação saúde humana e meio ambiente.

O país carece de mais bancos de dados, reunir os dados disponíveis, mas ademais disso, fazer com que esses dados se transformem em informações úteis à ação de organismos responsáveis. A adoção e o desenvolvimento de novas tecnologias em saúde carecem de prioridade no rol das reivindicações da sociedade organizada. 

Se as pandemias se avolumarem as vacinas e drogas afins, que seguem sendo produzidas, talvez não sejam de todo úteis, porque a transmissão poderá ocorrer em velocidade impossível de controlar. A alternativa, então, é repensar o modo como nos relacionamos com a natureza, com esse mundo natural constituído por tudo quanto existe independentemente do homem e cuidarmos melhor desse complexo de condições que nos abraça e alimenta todos os seres vivos.

EQS. O Classe S elétrico. Um sedã de luxo.


Não parece ousado prever que até 2030 boa parte das grandes marcas não mais fabricará motores de combustão interna. 

Coagulação do sangue. AstraZeneca: o que é esta síndrome rara e como é causada?

        Estão crescendo as evidências de uma ligação entre a vacina Covid-19 e uma trombose mortal - e estão surgindo teorias sobre o porquê

The Guardian
Melissa Davey
@ MelissaLDavey

Seg, 12 de abril de 2021
Estão crescendo as evidências de que a vacina AstraZeneca Covid-19 está causando uma síndrome de coagulação rara - mas por quê? Fotografia: Fehim Demir / EPA                                                                  

Desde que uma coagulação rara, mas grave, foi observada em algumas pessoas após a vacinação com a vacina Covid-19 da AstraZeneca, pesquisadores em todo o mundo têm se esforçado para entender por que ocorre a síndrome de coagulação, conhecida como “trombose com trombocitopenia” (coagulação com baixa contagem de plaquetas).

A maioria dos casos desses coágulos ocorreu nas veias do cérebro (uma condição chamada trombose do seio venoso cerebral ou CVST), embora alguns tenham ocorrido em outras veias, incluindo as do abdômen (trombose da veia esplâncnica). Tem uma alta taxa de mortalidade.

Estão crescendo as evidências de que a vacina está causando essa síndrome da coagulação rara. Então, o que acontece com as pessoas afetadas e, mais importante, por quê?
O que sabemos sobre essa síndrome?

As plaquetas são células que geralmente ajudam a interromper o sangramento, aglomerando-se para formar um coágulo sanguíneo. Em destinatários da vacina AstraZeneca afetados por esta síndrome de coagulação rara, o número de plaquetas diminui. Uma reação única do sistema imunológico ocorre envolvendo as plaquetas restantes e os glóbulos brancos, e é essa reação que torna o sangue mais grosso, levando à coagulação.

A condição é muito semelhante a outra condição de coagulação relativamente rara, mas séria, causada pelo uso de um anticoagulante chamado heparina. Tanto no uso de heparina quanto na administração da vacina AstraZeneca, o raro distúrbio de coagulação aparece dentro de duas semanas, geralmente entre os dias quatro e 20.

Nas pessoas afetadas após receberem heparina, o sistema imunológico produz anticorpos contra um complexo de heparina e uma proteína chamada “fator plaquetário 4”, desencadeando essa coagulação perigosa. Os acometidos pela síndrome após receberem a vacina AstraZeneca também apresentam o mesmo complexo, com anticorpos anti-fator 4 plaquetário em seu plasma.

O que está causando essa coagulação?

O Dr. Jose Perdomo, pesquisador sênior da unidade de pesquisa de hematologia da escola clínica St George e Sutherland da University of New South Wales, disse: “Nós sabemos o que está acontecendo, mas o 'porquê' não é conhecido.”

Ele disse que ainda se desconhece muito sobre o motivo da trombocitopenia induzida pela heparina, e essa condição foi relatada pela primeira vez na década de 60. O mecanismo exato que causa a trombose induzida pela vacina com trombocitopenia pode nunca ser conhecido, disse ele.

Mas existem algumas teorias.

“Uma é que algumas pessoas já estão predispostas a essa condição por causa de infecções bacterianas ou virais anteriores”, disse Perdomo.

Isso porque as infecções podem levar o corpo a produzir o que é chamado de DNA livre de células, que é basicamente DNA extracelular de células mortas no sangue (embora o DNA livre de células também possa derivar de células normais).

“Esse DNA de alguma forma se comporta como a heparina - que a molécula, neste caso o DNA, pode formar complexos com a proteína chamada fator plaquetário 4”, disse Perdomo. “Esse complexo é o que dá origem aos anticorpos que o veem como uma bactéria invasora. Uma vez que esse complexo está lá, você tem todas essas reações, incluindo a ativação da coagulação, por exemplo. ”

Perdoma disse que uma teoria que explica por que a vacina está desencadeando essa resposta de anticorpos contra o fator plaquetário 4 é que a vacina AstraZeneca contém DNA. “Para que o DNA de algumas pessoas possa entrar na circulação e desencadear esses mesmos complexos”, disse ele. “Mas isso é apenas especulação e não foi demonstrado que seja o caso ainda.”

A outra teoria é que pode haver algumas pessoas predispostas a desenvolver inflamação com a vacina. Essa inflamação levará à produção de DNA livre de células e, em seguida, à formação do complexo imunológico que leva à coagulação.

“O que sabemos é que o complexo final é o mesmo. Ou seja, anticorpos estão sendo produzidos contra o fator plaquetário 4. E esse complexo é o que ativa as plaquetas e outras células sanguíneas para formar coágulos ”, disse Perdoma.

Qual é o fator de risco da idade?

Perdomo disse que existem algumas diferenças entre as condições de coagulação induzidas pela heparina e as induzidas pela vacina, e a idade parece ser uma delas. Normalmente, quanto mais velho você é, mais suscetível você é à trombocitopenia induzida por heparina, disse Perdomo.

Com a síndrome induzida pela vacina, parece que as pessoas com menos de 50 anos são mais propensas a serem afetadas.

“Em um corte estudado de pessoas que tiveram essa reação após a vacina, todos os afetados, exceto uma pessoa, tinham menos de 50 anos”, disse Perdomo. “Todos os outros tinham 49 anos ou menos. Portanto, no caso da vacina, parece mais provável que pessoas mais jovens tenham um sistema imunológico hiperativo. É incomum porque em todos os outros casos desse tipo de trombose é a população mais velha que corre maior risco. ”

No entanto, ainda não é certo que a idade é um fator de risco. Um pequeno número de casos foi relatado em adultos mais velhos. Embora tenha havido mais relatos em mulheres, isso pode ser porque mais doses de vacina foram dadas às mulheres, uma vez que elas são mais propensas a trabalhar em cargos de saúde de alto risco, como enfermagem.

“No entanto, já houve muitas vacinações de Covid-19 em pessoas mais velhas”, disse Perdomo. “Muitos países, no entanto, ainda não analisaram todos de perto, então é por isso que só temos relatórios de alguns países e não podemos ter certeza de qual é a incidência em certas faixas etárias ou no geral.”

Outra diferença entre a síndrome induzida pela heparina e a vacina é que o tratamento contínuo com heparina parece desencadear a reação. A vacina, ao contrário, desencadeia a reação após uma única dose. Um relatório da EMA diz que o mecanismo que causa a reação deve, portanto, ser diferente, ou que os pacientes afetados foram de alguma forma expostos ao que quer que estivesse desencadeando a resposta do anticorpo antes.

Quão comum é essa coagulação?

De acordo com o Grupo Consultivo Técnico Australiano sobre Imunização (Atagi), um grupo de especialistas médicos independentes que aconselham o ministro da saúde, estudos sugerem que ocorre em aproximadamente quatro a seis pessoas em cada um milhão. No entanto, taxas mais altas foram relatadas na Alemanha e em alguns países escandinavos.

Uma declaração de Atagi disse: “Atualmente há incerteza e diferentes taxas de risco relatadas para este evento adverso.”

Temos algum teste para detectá-lo?

Sim. Há um teste que pode ser administrado às pessoas após a vacinação para ver se têm anticorpos contra o fator 4 das plaquetas no plasma. Isso também significa que os médicos podem dizer se um paciente tem esse tipo específico de coagulação rara, ao contrário de outros tipos menos perigosos de coagulação que podem ocorrer na população em geral, mesmo sem a vacinação.

“Este teste vai ajudar no tratamento, porque sabemos o que não fazer”, disse Perdomo. “Quando esses casos de vacina foram vistos pela primeira vez, os médicos os tratavam como pacientes normais de coagulação, e essa não é a maneira de tratar essa reação extrema.”

A Sociedade de Trombose e Hemostasia da Austrália e Nova Zelândia produziu diretrizes sobre a detecção e o manejo de coágulos após a vacinação, o que aumentará ainda mais a segurança.
Existe prova de que a vacina causa isso?

“Ainda não podemos dizer com certeza, mas todas as evidências apontam nessa direção”, disse Perdomo. “Ainda estamos testando o caso australiano . Mas todos os casos têm esses anticorpos contra o fator plaquetário 4 sem qualquer exposição à heparina, e a vacina parece ser o único elo entre os casos ”.

Esta coagulação é observada com outras vacinas Covid-19?

O professor Jim Buttery, chefe de epidemiologia e detecção de sinais do serviço de segurança de imunização de Victoria, disse que das mais de 70 milhões de doses da Pfizer administradas globalmente, houve apenas dois relatos de trombose do seio venoso cerebral, ambos nos Estados Unidos. No entanto, nenhum desses casos apresentou as plaquetas baixas observadas nos casos da AstraZeneca.

A EMA está investigando quatro casos potencialmente ligados à vacina de dose única Covid-19 da Johnson & Johnson, mas isso está em seu estágio inicial e há muito poucas informações. Assim como a vacina AstraZeneca, a vacina J&J é uma vacina de vetor viral que usa um vírus inofensivo, conhecido como adenovírus, para induzir as células a produzir a proteína spike do vírus Covid-19.

“O AstraZenca continua sendo aquele em que acreditamos ser provável que essa coagulação seja um efeito colateral raro, mas real da vacina”, disse Buttery.

O professor Nikolai Petrovsky, da Faculdade de Medicina e Saúde Pública da Universidade Flinders, disse que ainda não foi determinado se a síndrome da coagulação está sendo causada pelo novo adenovírus de chimpanzé usado para a vacina, ou por algum outro ingrediente da vacina.

“Esperançosamente, esta questão agora será objeto de intensa investigação científica”, disse ele.

A Petrobras e uma nova era

Arion Louzada 

De um modo geral, nada leva a crer que o consumo de petróleo venha a aumentar nos próximos anos, no Brasil e pelo resto do mundo. A Petrobras precisa estar atenta a isso e corrigir o padrão de seus investimentos.

Não é mais possível imaginar a economia e a qualidade de vida da população de qualquer grande país dependente em futuro próximo de somente uma fonte de energia.

Assim como o carvão foi substituído pelo petróleo como principal fonte de geração de energia, no século XX, no Brasil e em todo planeta, neste século XXI, o ouro negro inevitavelmente será arredado para posição um pouco menos relevante, com o significativo aumento de demanda por energias solar, eólica, nuclear e hidrogênio.  

Não parece exercício de prestidigitação concluir que em meados deste século os consumidores, em países desenvolvidos, decidirão pela fonte de energia em razão de sua conveniência. Isso será bom e inevitavelmente, em algum momento, o Brasil e todo o universo das nações conhecerá tal progresso.   

Especialistas da British Petroleum, no relatório World Energy Outlook, imaginam as emissões de CO² despencando até 70% já em 2050 e o aquecimento global reduzido a pouco mais de 1 grau Celsius, antes do final deste século.

A depender de uma política climática ambiciosa a ser abraçada pelas grandes potências mundiais, até 2050, a demanda global de petróleo pode cair dos atuais 100 milhões de barris para a metade disso.

A eletro-mobilidade é tendência inafastável. Os veículos elétricos podem substituir mais de 80% dos carros particulares até 2050, segundo o World Energy Outlook.

O crescimento na produção de energias renováveis no Brasil precisa aumentar o ritmo. 

A geração de energia nuclear na China cresce espetacularmente, porque a demanda segue crescente.

A British Petroleum inglesa está se reinventando. Até 2030, a companhia quer reduzir a produção de petróleo e gás em 40%.

A Petrobras precisa se reinventar também. Saqueada por políticos corruptos, recuperando-se da maior roubalheira já perpetrada contra uma empresa petrolífera internacional, este é o momento de a Petrobras rever estratégias, focar na perspectiva das mudanças de mercado que se avizinham em desfavor do petróleo e em benefício das energias alternativas e dos consumidores de um modo geral. 

Vida sem trabalho é distopia

Arion Louzada

A fome pode ser o próximo desafio da crise mundial do corona-vírus. Não poucos estados nacionais poderão ver-se diante da opção macabra de preservar vidas ou meios de subsistência; salvar as pessoas do corona-vírus apenas para que passem fome.
Mais de dois milhões de pessoas estão infectadas com o corona-vírus; centenas de milhões se sentem ameaçadas.
A partir do agravamento da pandemia do corona-vírus no Brasil milhares de pessoas procuram pelos benefícios de desemprego. Diariamente cresce o número de requerentes.
Nos meses de março e abril cerca de 3,5 milhões de brasileiros perderam o emprego – involução do mercado de trabalho jamais experimentada em tão curto espaço de tempo.
Impossível precisar o número exato de desempregados no país, neste início de maio de 2020, porque as estatísticas não conseguem acompanhar a velocidade das perdas de emprego. Simultaneamente à perda de emprego, milhares de brasileiros perdem seu seguro saúde ou não mais conseguem pagá-lo como decorrência do desemprego.
Um incontável número de indústrias e lojas seguirão fechadas neste mês de maio. A última reforma trabalhista tornou mais fácil as demissões no Brasil. Os empregados dessas empresas fechadas irão atrás dos benefícios de desemprego.
Quase R$ 1 trilhão está sendo injetado pelo Estado, por meio de pacotes de estímulos, na economia em frangalhos. Em esforço pela contenção do crescimento do desemprego parte desse dinheiro substituirá custos salariais suportados por firmas pequenas e médias. Que ninguém superestime o auxílio estatal nesta crise econômica relacionada ao corona-vírus. O Estado não tem como pagar tudo; só dispõe para gastar em ajuda e benefícios sociais o quanto é arrecadado.
Até meados de janeiro projetava-se crescimento econômico para 2020 de mais de 2%; a disseminação da pandemia desde o início de março destruiu a perspectiva e agora seguimos rumo à recessão. A produção econômica brasileira despenca.
O Brasil pranteia mais de 6 mil mortes de seus nacionais, acometidos da doença pulmonar COVID-19. 
Em Brasília, hoje, enfermeiros realizam protesto, com máscaras de proteção ao rosto e cruzes nas mãos. A morte de profissionais de saúde, decorrente da precariedade hospitalar do país, segue crescente. Nos corredores dos hospitais brasileiros médicos e enfermeiros exaustos.
 Em São Paulo, o Vale do Anhangabaú, a Paulista e o Campo de Bagatelle não têm atos nem de comemoração nem de protestos, neste 1º de maio. Este é um 1º de maio cinzento.
O Brasil é um país vulnerável. Neste dia 1º de Maio de 2020 não é possível deixar de refletir sobre os impactos econômicos da pandemia sobre os trabalhadores.
Ainda que ninguém saiba com segurança o que acontecerá nos próximos dias, no Brasil e no mundo, é certo que as doenças e as restrições de liberdade de movimentos reduzem o trabalho em todos os setores de produção e isso redunda em aumento generalizado de preços, especialmente dos alimentos.
O trabalho é a nossa vida. A quem quer que cultive o sentimento de controle não fará mal sujeitar suas utopias ao escrutínio da realidade.

A distância como manifestação de cuidado

Arion Louzada
A distância precisa ser um modo de conduta, uma manifestação de cuidado e de respeito pelo semelhante, nestes dias.
A resistência contra o coronavírus é um dever de todos os brasileiros. A urbanidade, a amizade, o parentesco e toda convivência social têm que ser anteriores à proximidade física e desafiam a nossa capacidade de sermos solidários, em uma solidariedade não individualista, mas comunitária.   
A distância é a única maneira de evitarmos a rápida propagação do coronavírus.
As universidades do mundo todo, os grandes centros de pesquisa e seus cientistas necessitam de tempo até que logrem sintetizar uma vacina segura e medicação de ataque aos sintomas do COVID-19.
Testes iniciais com algumas vacinas, em seres humanos, estão em andamento. Vários testes adicionais são necessários para aprovação da utilização dessas vacinas. Segundo estimativas confiáveis, isso pode levar pelo menos um ano. A presidente da Comissão da União Europeia, Ursula von der Leyen, aguarda que uma vacina contra o COVID-19 esteja disponível em poucos meses. Mas, como dizem os alemães, a Schlimmer geht immer, não há nada ruim que não possa piorar. No mundo beira um bilhão de crianças fora das salas de aula. Então, temos que ter cuidado e esperar, porque nesta crise a situação se altera a cada minuto.
Imagem: reprodução de ilustração de James Melaugh / The Observer
Se nos afastarmos uns dos outros, a propagação do vírus será mais lenta. Se ocorrer o decurso de um lapso temporal maior, disso é razoável inferir que os infectados mais tardiamente terão a chance de receber proteção melhor dos sistemas de saúde.
País subdesenvolvido, o Brasil não conta com um sistema de saúde de excelência. Sistemas de saúde de excelência têm a Alemanha, a Suíça e a Inglaterra, por exemplo, mas nem mesmo estes países se declaram preparados para uma explosão de contaminação com o COVID-19 de seus nacionais. O Brasil tem o Sistema Único de Saúde (SUS) e o sistema privado de atenção à saúde, ambos muito precários. O sistema brasileiro de atenção à saúde é compatível com o estágio de desenvolvimento econômico do país.
A situação de potência econômica não é garante de sistema de proteção à saúde eficiente, ao ponto de suportar imensa demanda. Em situação talvez tão delicada quanto a do Brasil se encontra a população dos EUA, onde inexiste qualquer proteção que se possa sequer comparar com o SUS brasileiro, para pronto atendimento das populações vulneráveis. Isso, sem levar-se em conta a deplorável condição dos sistemas de saúde da absoluta maioria dos demais países americanos.
Nenhuma aproximação entre as pessoas aqui no Brasil é uma impossibilidade, porque da atividade econômica depende a vida de todos que aqui estão. Mas, ao máximo, precisamos limitar o risco de uma pessoa infectar outra e isso implica a imposição de auto restrições, às quais não estamos acostumados e que contrastam com o jeito caloroso de todos nós brasileiros, admirado no concerto da comunidade internacional dos povos.  
Ao tempo em que o Ministério da Economia do Brasil adota medidas para aliviar o impacto econômico da crise inevitável - das ameaças de falências de muitas firmas -, buscando preservar empregos, a todos nós brasileiros a prudência se impõe no sentido de evitarmos ao máximo o contato físico com outras pessoas, mas particularmente com pessoas idosas, porque estas se encontram em situação de mais alto risco.
Aqueles que desfrutam de confortável situação financeira, não devem levar para casa o estoque inteiro de qualquer bem-de-consumo-constante-da-população que encontre no mercadinho ou no supermercado. Não podemos fazer do corona-vírus também uma emergência econômica. Se não houver desespero no consumo o fornecimento de gêneros alimentícios não sofrerá escassez. A participação comunitária no enfrentamento desta crise exibirá ao resto do mundo nosso espírito como povo, como nação.
Não nos assiste qualquer direito à irresponsabilidade. Ainda que esta seja uma época sem precedentes, impossível que não vençamos a luta contra o corona-vírus, se em lugar do individualismo, do consumismo exacerbado, abraçarmos fortemente a participação compartilhada, com base na sensatez, na razoabilidade.     

O mercado não se deixa à toa

Arion Louzada

        A determinação do impacto econômico da disseminação mundial do corona-vírus sobre a economia brasileira não é simples. Prejuízos econômicos decorrem da só incerteza sobre as perspectivas. Mais do que medidas fiscais e econômicas do governo, ao Banco Central do Brasil impõe-se manejar com prontidão políticas adequadas de estabilidade monetária e financeira.
As mais sólidas democracias estão sujeitas a suportar impactos severos por decorrência de desatenções com a vigilância do capitalismo.    
A volatilidade do mercado de ações, nestes dias, tem crescido na Bovespa e nas bolsas do resto do mundo, assustadoramente.
O Brasil é um mercado de alta renda para investidores de todo mundo, mas segue sendo um emergente, uma economia em desenvolvimento, eufemismo para país subdesenvolvido. O barco com os ativos alocados em mercados como o brasileiro encontra-se sob risco e tende a migrar para estâncias mais seguras, como a economia americana, por exemplo, ainda que com rendimentos irrisórios, sempre que as águas turvam.  
No trade off maior ganho versus segurança - presente o corona-vírus -, robustos investidores tendem a voltar-se para a segunda alternativa, mesmo que o custo da oportunidade lhes seja significativo: mais vale um pássaro na mão do que dois voando. E quando o noticiário assusta, até o conceito de margem é negligenciado. A mão invisível não soluciona nada.
As empresas sofrem com custos mais altos de financiamento quando exploram o mercado de ações e títulos. O arroxo financeiro inevitavelmente aciona o freio da economia. A insegurança financeira leva o consumidor a reduzir o consumo e isso fará com que as empresas faturem menos e parem de investir.
Este mês de março de 2020 é um momento de ouro da política monetária brasileira, a hora do Banco Central do Brasil. Ainda que a taxa de inflação não seja a de equilíbrio, não há outra alternativa senão injetar mais liquidez na economia, reduzindo taxas de juros.
Somente a alta liquidez da economia brasileira é capaz de reverter os apertos financeiros, inevitáveis com a crise econômica internacional derivada do impacto do corona-vírus e da redução dos preços do petróleo.
A autoridade econômica tem que estar atenta para reprimir qualquer ação obtusa dos gestores de ativos e em fundos negociados na Bovespa. Certas complacências ofendem a natureza do sistema de vigilância do capitalismo.
Os bancos privados brasileiros não inspiram cuidados, dada sua liquidez, solidez de capital, robustez. A redução eventual nos preços de suas ações significa pouco. Já deveriam estar - não estão -, oferecendo condições melhores nos contratos de empréstimo para os tomadores mais afetados pela crise. A vigilância do Banco Central deve melhorar os óculos ao examinar a atuação de Itaú, Bradesco e Santander. Já que ostentam a maior rentabilidade do planeta, no conjunto da banca, deles parece justo reclamar alguma compensação pela fração da exorbitância dos últimos anos. Esses têm o dever de oferecer empréstimos melhores e com menores taxas de juros.  
A hora é de aninhar a liquidez na economia dentro da política monetária do governo, com atenção às recorrências do mercado, que não pode ser deixado à toa. A ideia de economia de mercado não é excludente de estímulos e regulação.   

O barco verde-amarelo e o coronavírus

Arion Louzada

      Quando a roda do leme ao capitão parece quadrada não troque o timão, essa provavelmente não é a melhor providência.  
A tarefa do Ministério da Economia, no Brasil, é uma das mais importantes atribuídas a um órgão público. Ele deve andar no encalço de metas econômicas de estabilidade de preços e máximo emprego, orientando o gerenciamento do sistema de dinheiro e crédito do país, a ser executado pelo Banco Central do Brasil. Ademais de outras obrigações que lhe estão atribuídas pela lei.
Do Ministério da Economia a nação espera a estabilidade de preços, que se pode traduzir por ausência de inflação ou deflação.  
Inflação é o aumento generalizado de preços dos produtos e/ou serviços em um determinado lapso de tempo. A principal característica da inflação é a diminuição no poder de compra do consumidor.
Deflação é o processo inverso: a queda de preços constante e generalizada dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores. A taxa de inflação é negativa. Ainda que isso pareça bom para os consumidores, pode causar danos à economia. Deflação não é o mesmo que desinflação. Desinflação é uma diminuição da taxa de inflação – por exemplo, de 3,5% para 2% - a taxa de inflação fica um pouco menor do que antes.
A desinflação é saudável, mas inflação e deflação não são saudáveis. À toda evidência, não falta quem discorde disso.
Quando a inflação é baixa a economia anda bem. Observe-se o Brasil destes dias. Se pensarmos em um mar agitado, como por regra é o mar da economia, o Brasil destes dias é um transatlântico que navega seguindo um mapa científico de navegação. Com inflação baixa as taxas de juros tendem a ser baixas.
Com taxas de juros baixas as empresas obtêm financiamentos mais baratos, para se expandir e contratar novos trabalhadores. As taxas de desemprego diminuem. Os discursos inflamados e inflamáveis dos demagogos diluem-se no meta-marxismo.
No Brasil, como em qualquer economia em equilíbrio, produtores e consumidores se sentem confiantes para produzir e consumir mais, ausente o desassossego decorrente da inflação alta ou variável em demasia.
A manutenção de preços estáveis implica não somente o controle do nível das taxas de juros, mas também o nível de reservas dos bancos e o montante de dinheiro circulando na economia.
Tempo todo o Ministério da Economia e o Banco Central medem os efeitos da política econômica sobre o conjunto da população. Essa é uma de suas relevantes tarefas. 
Uma meta de longo prazo para a inflação à taxa baixa se revelará saudável se ocorrer uma média de taxa baixa em longo prazo.
Inflação baixa e constante ao ano por muitos anos aponta para inflação baixa futura; disso resulta que todo brasileiro, consumidor, empresário ou trabalhador poderia planejar com tranquilidade os seus dias, do ponto de vista econômico. Fosse a inflação 5% neste ano, 4 % no próximo e 15% no seguinte, bem difícil se tornaria a tarefa de decidirmos, você e eu, como consumir, investir ou economizar.
O Banco Central usa ferramentas monetárias para impulsionar a economia quando ela enfraquece, como por exemplo fez recentemente com venda de dólares das reservas brasileiras. Um dos principais instrumentos do país contra choques externos na economia são essas reservas, atualmente de US$ 361 bilhões, aproximadamente.
Máximo emprego é o nível em que o desemprego - aquele que aumenta durante as crises econômicas -, é eliminado.
A obtenção ou manutenção de máximo emprego e inflação baixa é meta impossível de ser alcançada, qualquer que seja o esforço de bons economistas, a quem a Nação confie a condução da economia brasileira.  
Se o Brasil tentasse reduzir o desemprego continuamente, pressionando mais e mais as taxas de juros, os consumidores tomariam emprestado quantidades crescentes de dinheiro para a compra de automóveis, geladeiras, apartamentos, lazer, eteceteras à vontade; a demanda excessiva produz escassez e esta aumento de preços. O governo perderia o controle da inflação.
Se Ministério da Economia e Banco Central, por outro lado, não permitissem a expansão de oferta monetária, preocupados com a inflação, os consumidores comprariam menos e as empresas atuais esqueceriam quaisquer planos de expansão e novos empreendimentos deixariam de surgir. Inexoravelmente, o desemprego aumentaria (porque pessoas seguem nascendo e muitas alcançando a idade em que tem de prover seu próprio sustento, por meio de algum trabalho).
Por isso que o trabalho de gestão da economia brasileira é uma espécie de jogo de aperta e afrouxa.
Com a epidemia do Corona-vírus a bater em nossas portas, a saúde das pessoas e a economia das nações sob risco, aqui no Brasil, o Ministério da Economia e o Banco Central brasileiros podem fazer o quê? Eles podem manter a nau verde-amarela da economia navegando. A economia brasileira poderá ultrapassar a tempestade e seguir em bom curso, navegando em segurança, se o capitão do transatlântico não reclamar a roda do leme.

Bashir deve ser julgado em Haia


    O Sudão precisa ser reintegrado à comunidade internacional dos povos. Cerca de 2,7 milhões de sudaneses foram deslocados e aproximadamente 400 mil foram mortos, em três décadas, sob o regime de Omar al-Bashir. Não basta a condenação e prisão de Bashir, por corrupção, em Cartum. 
    Um advogado de Bashir declarou à Reuters recentemente que ele se recusaria a negociar com o Tribunal Penal Internacional (TPI) por ser este um tribunal político. Ora, ora. Tribunais políticos são os tribunais ad-hoc e esse não é o caso do TPI. Tribunais não negociam com infratores, os julgam, simplesmente. O TPI é um órgão judiciário altamente respeitável, nascido do consenso de 120 Estados soberanos. 
  Se o novo governo do Sudão aguarda com sinceridade a reintegração do país à comunidade internacional deve entregar imediatamente Omar al-Bashir ao Tribunal Penal Internacional. Há provas robustas e irrefutáveis contra o genocida e sua gangue. 
    Para que o Sudão não mais seja visto como um Estado que chancela o terrorismo, seus novos governantes têm que entregar Bashir ao Tribunal Penal Internacional da Haia, mas não só ele, também o séquito de criminosos que executaram suas ordens macabras.    

Com Isabel Dos Santos, nós angolanos desenvolvemos síndrome de Estocolmo

Cláudio Silva
The Guardian

Antes do Luanda Leaks, questionamos de onde vinha sua riqueza. Mas estávamos desesperados por pedaços de conforto.

Talvez os Luanda Leaks não sejam tanto uma acusação de Isabel dos Santos, mas sim a fraqueza do Estado angolano. Devido ao regime cleptocrático do país, as empresas estatais transferiram de bom grado ativos para dezenas de familiares, políticos e generais. O pai de Isabel, o ex-presidente José Eduardo dos Santos, governou Angola por 38 anos e aperfeiçoou uma rede de patrocínios que despojou as instituições do partido e do estado de qualquer poder real. Hoje estamos vendo quão completo seu domínio foi.

Para os angolanos, as façanhas de Isabel não são mais novidade. Nem sequer são novidades em Portugal, o antigo mestre colonial de Angola. Em 2008, o jornalista angolano Rafael Marques fundou o site anticorrupção Maka Angola dedicado a expor a podridão. Um de seus primeiros artigos sobre Isabel dos Santos data de 2012, quando ele questionou como ela havia sido eleita para o conselho de administração da maior operadora de telefonia móvel de Angola. Até então, já estávamos questionando de onde vinha o dinheiro dela. Mas quem vai ouvir um jornalista africano?

"Somente quando jornalistas europeus e americanos abordaram o assunto, a questão se tornou séria o suficiente para que certos governos e a sociedade em muitos países começassem a prestar atenção", disse Marques em entrevista recente à emissora alemã Deutsche Welle. “Mais uma vez, nós angolanos e africanos em geral, continuamos a ter essa incapacidade crônica de reagir ao senso crítico de nossos próprios concidadãos, para que possamos olhar para nossas sociedades e trabalhar em solidariedade pelo bem comum.”

O que antes era discutido em voz baixa em torno das mesas de jantar angolanas foi agora espalhado nas primeiras páginas dos jornais do mundo. Os 
Luanda Leaks tornaram impossível fingir que Isabel dos Santos se tornou a mulher mais rica da África devido ao seu mérito ou perspicácia nos negócios. O que os angolanos falam é sobre a profundidade e a audácia de sua evasão: 715.000 documentos, 400 empresas de propriedade em todo o mundo, um labirinto de paraísos fiscais e empresas de fachada. 

Por anos, Dos Santos parecia intocável. Como a professora universitária sul-africana Claudia Gastrow escreveu em um artigo recente, uma rede de advogados, consultores de gestão e contadores "lavou" sua reputação. Ela posou para fotos do Instagram com Nicki Minaj e deu festas luxuosas. As universidades também estavam envolvidas: ela foi convidada para falar em Yale, na Universidade de Warwick e na London School of Economics. "Eles valorizavam o glamour de Dos Santos sobre os direitos de milhões de angolanos", observa Gastrow.

Ainda hoje, muitos angolanos ainda insistem que Dos Santos criou empregos. Tal é o nosso desespero pelos fragmentos de uma existência confortável que desenvolvemos uma síndrome de Estocolmo compartilhada. Parecíamos felizes com bilionários - desde que pudéssemos colocar comida e água em cima da mesa. Mas, como disse um usuário angolano do Twitter: “Roubo seu dinheiro, depois construo uma cantina e ofereço um emprego. Estou te ajudando?”

Depois que a guerra civil terminou em 2002, os altos preços do petróleo provocaram um boom econômico. Em vez de usar essa nova riqueza para investir em serviços sociais, saúde e educação, tão necessários, o dinheiro de Angola desapareceu em Malta e nas Maurícias. Quando os preços do petróleo despencaram no final da década passada, o mesmo ocorreu com a economia de Angola. Embora Dos Santos tenha emprestado de bancos nos quais ela era acionista majoritária, muitos pequenos empresários e angolanos comuns agora não conseguem empréstimos. A moeda estrangeira é escassa, o investimento estrangeiro é praticamente inexistente, os preços dispararam, o poder de compra caiu e as pessoas estão novamente questionando para onde foi o dinheiro.

Muitos dos culpados são corporações. A Sonangol , empresa estatal de petróleo de Angola responsável por mais de 90% das exportações angolanas, fez parceria com a Dos Santos em várias empresas conjuntas, tanto em casa como no exterior. A Sodiam, empresa nacional de diamantes de Angola, investiu capital em uma joint venture com Sindika Dokolo, marido de Dos Santos. Enquanto isso, o Banco Nacional de Angola permitia que os titulares de cargos públicos transferissem enormes quantidades de dinheiro para contas no exterior em todo o mundo.

Em última análise, porém, isso foi um fracasso do Estado - incapaz de enfrentar não apenas Isabel dos Santos, mas também seu irmão Zenu dos Santos e vários outros bilionários que usaram Angola como playground para enriquecimento próprio. O fato de terem sido auxiliados por parceiros dispostos como o Boston Consulting Group, KPMG e PwC, não surpreende - sofremos os escândalos Panama Papers, Paradise Papers e Gupta na África do Sul, todos envolvendo empresas ocidentais. No entanto, a falta de supervisão - nenhuma delas sinalizou Isabel dos Santos como um risco potencial de lavagem de dinheiro - ainda é notável.

O que Isabel não entende, e provavelmente nunca entenderá, é que as oportunidades concedidas a ela foram disponibilizadas por causa de quem é seu pai. Nos últimos anos de sua presidência, José Eduardo dos Santos se preocupou com seu legado. Em entrevista à emissora portuguesa SIC (ele raramente dava entrevistas à mídia angolana), o ex-presidente disse que queria ser lembrado como patriota. O legado de Dos Santos serão as contas bancárias offshore situadas em países que muitos angolanos nunca visitarão, para onde sua riqueza foi desviada.

• Cláudio Silva é um pequeno empresário e escritor baseado em Luanda

Automóveis fabricados na China cada vez mais populares


A China aumentou sua exportação de automóveis em quase 32%, de 46 para US$ 60,6 bilhões nos últimos cinco anos.

Lavagem de dinheiro

Como uma organização criminosa lavou milhões em dinheiro de drogas. Dinheiro criminoso das ruas de Londres para os mercados de ouro de Dubai. 


BBC and Premières Lines

Prisão após trânsito em julgado de sentença condenatória

Arion Louzada

As normas constitucionais são dotadas de eficácia plena, contida ou limitada, o que significa que algumas independem de legislação infraconstitucional para sua aplicação, outras, ainda que tenham aplicabilidade imediata poderão ter reduzidos os limites a direitos nelas consignados, e que algumas dependem de regulamentação, detalhamento. 
Aos membros das cortes constitucionais o Direito não autoriza subverter a organização funcional da Constituição, determinada pelo constituinte.
A interpretação constitucional requer a prevalência dos pressupostos que façam valer a eficácia da Constituição. Não é possível admitir que a exigência do trânsito em julgado de uma sentença condenatória para o início do cumprimento das penas atenda essa prevalência.
O Art. 283 do Código de Processo Penal não é compatível com a Constituição brasileira.
O que é mais relevante? O direito do povo brasileiro de não ser pilhado - de ter educação, saúde e segurança -, ou a bandidagem enriquecida permanecer solta até que não mais seja possível qualquer dos infindáveis recursos processuais procrastinatórios, que não raro redundam em prescrição?
À metodologia jurídica do século dezenove retrocedem as decisões judiciais que só consagram a subsunção dos fatos aos textos legais. O Supremo Tribunal Federal ressuscitou o positivismo jurídico mais rastaquera ao vedar o início do cumprimento de penas após sentença penal condenatória de segundo grau.
Ainda que o Art. 283 do Código de Processo Penal preceitue que, “ninguém poderá ser ‘preso’ senão [...] em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado [...]”, o conteúdo é imprestável para afastar a prisão de condenados em segunda instância, por ausência de amparo constitucional. Em parte alguma da Constituição Federal o legislador condiciona ao trânsito em julgado de sentença a decretação de prisão.
O Art. 5º, LVII, da Carta não dispõe sobre prisão; o que determina é que “ninguém será considerado ‘culpado’ até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 
A pergunta de um aluno, ontem, em sala de aula de Direito Constitucional: - “Professor, onde aquela turma foi alfabetizada”? Difícil não rir. Culpado não é sinônimo de preso.
A disciplina da prisão, na Constituição Federal, está consignada no Art. 5º, LXI: - “Ninguém será preso senão [...] por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente [...]”. Além de não exigir trânsito em julgado para o início do cumprimento de pena, o inciso que disciplina prisão garante esta expressamente, quando determinada “por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária”. 
O Art. 283 do Código de Processo Penal contraria frontalmente o Art. 5º, LXI, da Constituição Federal. Inconstitucionalidade material; a matéria ali contida é inconstitucional. Como esse artigo do CPP pode ser útil à vedação da prisão após condenação em segunda instância? Não pode. Não deve. Impossível. Exceto, talvez, em Direito Constitucional exotérico, certa espécie que Reale refere. A Constituição da República Federativa do Brasil é o pressuposto de validade do Art. 283 do CPP, não o contrário.
Um ministro da suprema corte brasileira referir-se à impunidade como uma lenda é um escárnio, sabido que não mais do que 20% dos homicídios cometidos no Brasil são punidos e que esta esdrúxula decisão do STF implica a possibilidade de soltura de mais de 4 mil condenados, segundo o Conselho Nacional de Justiça.
A impunidade no Brasil é a regra, a exceção é a punibilidade.
O processo penal brasileiro está longe de ser o agente ético do direito para servir à sociedade; permanece um velho utensílio técnico, abominável direito adjetivo, incompatível com a ideia de Estado Democrático de Direito. É lento, disfuncional, somente para os delinquentes endinheirados produz resultado ótimo. Não é bom para o povo.
A tentativa de transferência de responsabilidade do Supremo Tribunal Federal para o legislador ordinário, ao considerar-se que a prisão após o trânsito em julgado “não é o desejo de um juiz, não é o desejo de outrem que não dos representantes do povo brasileiro”, é inaceitável. O legislador produz normas jurídicas in abstract; o espectro do alcance das leis e dos atos normativos, sua aplicabilidade ou não, o modo como devem ser aplicados, varia no tempo e no espaço e o encarregado de modular efeitos ampliativos, redutíveis ou restringíveis é o Supremo Tribunal Federal e ninguém mais.  

Servidor e serviços públicos

Arion Louzada

A captura do Estado brasileiro por interesses alheios aos do cidadão que paga impostos não deve ser deduzida à conta dos servidores públicos, mas sim à frações da classe política, por laços estreitos vinculada, faz muito, à práticas pouco republicanas. Exemplo dessas práticas o fabuloso número de funções de livre nomeação e o hábito de a cada legislatura inflar-se o aparelho estatal com a invariável contratação de terceirizados e a criação de novos cargos ‘de confiança’.

Em 2019, o Diário Oficial do Espírito Santo publicou, em edição do mês de julho, a criação de 307 cargos de livre nomeação no âmbito do Ministério Público, com aumento de gastos de R$ 28 milhões; cargos vagos que a moralidade administrativa recomenda deveriam ser providos por concurso público ou extintos. Assessores, 300 vagas; 4 FGs na corregedoria, 1 assessor de cerimonial e 3 assistentes de gabinete. Como assentir que esses ingressantes possam ter sido recrutados em razão de seu notório saber jurídico? Portadores fossem de saber jurídico publicamente notado submeter-se-iam a concurso público.

Aos que ostentam dificuldades para aprovação em um certame de provas e títulos socorre o método arraigado como costume, o 'jeitinho brasileiro', o acesso pela janela (ou pela porta dos fundos) ao aparelho do Estado, escapando à inconstância da sorte. Isso sucede em Assembleias Legislativas, Câmaras de Vereadores, empresas públicas, prefeituras, governos estaduais e federal. Não espanta que, se o contratado é ‘da confiança’ de um político, no Brasil, a só circunstância não o recomende aos olhos do povo.

Ainda assim, o Brasil entrega serviços públicos de boa qualidade, superiores em algumas áreas àqueles oferecidos por países mais desenvolvidos. De mencionar a EMBRAPA, os parques tecnológicos da UFRGS e da PUCRS, o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste. Um livro não bastaria para elencar centros de excelência da área pública, que situam o Brasil em posição privilegiada no concerto da comunidade internacional dos povos.

Tudo é uma maravilha? Vimos que não. Mas, importa reconhecer o valor do funcionário público, recrutado em concurso, co-responsável pelo fortalecimento do Estado.

Relevante a tarefa de examinar-se o papel do Estado, como muito se cogita nesses dias, mas a análise implica - mais do que a discussão sobre o status dos servidores públicos -, a avaliação das remunerações e da quantidade de apadrinhados políticos que passeiam ou se acotovelam pelos desvãos das repartições públicas, em atividades nem sempre exatamente necessárias, sem jamais terem sido submetidos a quaisquer testes de conhecimentos e aptidões. No processo perverso instituído, trabalhadores terceirizados honestos e responsáveis também são vitimados, sujeitando-se a salários aviltantes, quando não obrigados a reparti-los com políticos corruptos nas denominadas 'rachadinhas'.

A manutenção desta ou aquela estrutura do Estado não é tarefa dos servidores públicos, mas sim dos agentes políticos. Não são os servidores públicos os responsáveis pelos bilhões de reais de prejuízos da Aneel ou das distribuidoras do sistema Eletrobrás, v.g., mas os domínios políticos ali incrustados. Os servidores são vítimas da ladroagem e da corrupção em igual proporção ao restante do conjunto dos nacionais que trabalham, empreendem e pagam impostos para sustentar a inépcia da gestão política.

Preconceitos contra os servidores públicos têm a só utilidade de confundir os sujeitos passivos do infortúnio de um Estado pouco eficiente. A fonte do desperdício de dinheiro público, da corrupção e dos bolsões de ineficiência, no Estado brasileiro, não é a pessoa que prestou concurso público, mas isso parece tão difícil observar quanto restaurar a vista aos cegos.

A lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, artigo 236, estabelece a data de 28 de outubro como o Dia do Servidor Público, no Brasil. Afinal, quem é esse servidor público? Servidor público é um brasileiro que entrega aos seus iguais os direitos de segunda geração, direitos positivos, direitos que o povo tem de reclamar do Estado a prestação devida. 

Servidores públicos têm que demonstrar exação, capacidade produtiva e eficiência o tempo todo; essa é a regra, esse o costume – não se sabe de quem tenha ousado infringi-los e permanecido feliz por muito tempo. Quem sabe isso sabe o serviço público no Brasil, mas para além disso, o quanto os servidores públicos brasileiros merecem e inspiram respeito.

Não erra aquele que deixa de fazer o que a lei não manda

Arion Louzada

Um erro do Supremo Tribunal Federal, STF, com consequências desastrosas para a ordem jurídica, é a anulação da sentença do juiz Sergio Moro, no caso Bendine, dosimetria da pena ajustada pelo tribunal regional federal competente. Ato jurídico perfeito não se sujeita a prejuízo. Moro ordenou alegações finais com acerto, ao final da instrução e antes da sentença.

Não há falar-se em parte tratando-se de colaboradores, seja a colaboração premiada ou não. Colaborador, eufemismo para designar delator, é mera testemunha em relação a corréus de um processo; não é, não pode ser e jamais será parte na acusação ou na defesa de outro corréu, inafastável o princípio da individualização da aplicação das penas.

Toda prova, sentido lato, é uma testemunha, vez que atesta a existência do fato. Delator é testemunha em sentido estrito, porque testemunha é a pessoa que se manifesta em juízo sobre fatos sabidos e referentes à causa. Parte é quem participa de um ato jurídico ou processual como interessado nele, para acusar ou se defender. Testemunha somente pode esclarecer fatos. Observado pelo juiz interesse próprio da testemunha, o conteúdo do depoimento desta não será aproveitado.

O fato do prêmio, em colaboração premiada, não se confunde com o interesse de parte, que acusa ou se defende. Alegações finais de corréu delator somente a ele aproveita. O contido em suas alegações finais, em relação a outro acusado no processo, teria (mas, nem isso tem) o só impacto de um testemunho, inteiramente desprovido de carga acusatória ou defesa.

Delatores não são mais do que testemunhas, em relação aos corréus, porque em sentido lato, repita-se, toda prova é uma testemunha e qualquer alegação de um corréu em relação a outro tem natureza jurídica de manifestação testemunhal. Como a prova testemunhal deve ser colhida de forma oral e sujeita-se ao contraditório, a manifestação de corréu colaborador em alegações finais é imprestável para produzir efeitos sobre a situação de qualquer outro acusado em um mesmo processo. Disso se infere que as manifestações em alegações finais de corréus, sejam eles colaboradores (delatores) ou não, não se sujeitam à ordem cronológica, por ausência de impacto de umas sobre as demais.

Delator não acusa ninguém e por isso não é parte; quem acusa é o órgão do Ministério Público, nas ações penais públicas, como é o caso. Delator também não defende ninguém; quem se defende da acusação é o acusado, por si mesmo ou por seu advogado.

Corréus emergem no processo em plano supra considerado. Ainda que vários autores de um delito possam ser denunciados em uma mesma ação, a conduta de cada um será julgada individualmente e ao sentenciar o juiz aplicará a pena, à toda evidência, individualmente. Bendine está sendo acusado por sua só conduta.

A ordem cronológica se impõe entre acusação e defesa, no curso do processo, porque ninguém pode se defender do que não foi acusado. Todavia, o prazo, para o oferecimento de alegações finais é comum. Não existe dispositivo a estabelecer ordem cronológica de manifestação entre delatores e delatados, em alegações finais. Ainda assim, a 2ª Turma do STF anulou a sentença que desfavorece Bendine, por ter sido este notificado a oferecer alegações finais paralelamente a corréu delator, e não posteriormente. Ao tempo em que conhece da inexistência de disposição regulatória a 2ª Turma vislumbra ofensa ao direito à ampla defesa e ao contraditório. Se isso houvesse, o juiz Moro teria errado. Ora, como Moro pode ter errado ao deixar de cumprir uma regra inexistente? Não erra aquele que deixa de fazer o que a lei não manda.

Toron diz que “o acusado tem o direito de rebater todas as cargas acusatórias, venham de onde vierem”. Há um problema com essa expressão, “venham de onde vierem”. Está errado subsumir ao argumento construção jurídica ausente na lei processual: a que transforma testemunha em parte. O exclusivo encarregado da produção da carga acusatória de que fala Toron é o Ministério Público, ninguém mais.

Gilmar Mendes afirma que: - “A questão é uma via crucis nova, por conta do uso do instituto da colaboração premiada e desse aprendizado institucional que estamos a desenvolver”. Via crucis? Quem é o Cristo? Aprendizado institucional que estão a desenvolver?

Cármen Lúcia assevera: - “Nós temos processo penal, a acusação e o acusado. E os acusados estão na mesmíssima condição. Nesse caso, temos uma grande novidade no direito. O processo chegou onde chegou por causa do colaborador”. Então, nós temos processo penal? Acusação e acusado? E os acusados estão na mesmíssima condição? Não, não, não estão. Cada acusado encontra-se em sua peculiar condição. O processo chegou onde chegou por causa do colaborador? Também não. O colaborador é um corréu no processo, como um todo considerado, mas mera testemunha, na condição de delator - em face dos demais acusados -, porque testemunha é aquele que relata a existência do fato e o que um delator faz não é mais do que isso, como visto. Antes não existia colaborador? A delação é um fenômeno jurídico novo? Essas as razões de decidir?

A decisão da 2ª Turma do STF arreda princípio geral do direito, segundo o qual todos são iguais perante a lei, não devendo ser feita nenhuma distinção entre pessoas que se encontrem na mesma situação. O decidido desordena o ordenamento, estabelecendo um novo procedimento, na maior sem cerimônia substituindo-se a 2ª Turma do STF ao Poder Legislativo.