Milhares de universitários nos EUA passam fome e não têm onde dormir, revela pesquisa

Alguns alunos praticam o chamado "coach surfing",
dormindo em sofás ou colchões infláveis de amigos ou colegas.
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     Quando Supraja Sridhar estava estudando na universidade de Alabama-Birmingham, ele se deparou com um problema que nunca poderia imaginar: uma de suas colegas estava passando fome.
     "Ela tinha três empregos, mas enfrentava muitas dificuldades para se sustentar. Não tinha os alimentos de que precisava", lamenta a jovem em conversa com a BBC.
          Sridhar tinha um plano de alimentação contratado na universidade e ofereceu compartilhá-lo com a colega. Mas se pegou pensando: "será que há outros alunos na mesma situação que ela?"
      Era 2013 e, naquela época, não havia muita informação sobre isso. No entanto, neste mês, um novo estudo surgiu ressaltando esse tema tão complexo: mais de um terço dos alunos em universidades americanas não têm dinheiro suficiente para se alimentarem de maneira adequada.
     "Em toda a minha carreira, nunca trabalhei com algo tão triste", afirmou Sara Goldrick-Rab, da Universidade Temple, na Filadélfia, que liderou a pesquisa.
         O relatório, publicado pela própria universidade e pelo centro Wisconsin HOPE Lab, se apresenta como "o estudo nacional mais amplo sobre esta crise".

Insegurança alimentar e moradia precária
     
      Os pesquisadores analisaram respostas de 43 mil estudantes vindos de 66 universidades em 20 Estados e no Distrito de Columbia, e concluíram que 36% dos alunos não comiam o suficiente, nem tinham acesso a uma moradia segura.
       O documento inclui informações sobre alunos de universidades e cursos técnicos, que servem de "ponte" para a faculdade, com cursos de dois anos mais acessíveis que podem ser validados em uma carreira posterior.
       Para descrever a situação, os pesquisadores falam de "insegurança alimentar", em referência a pessoas que pularam refeições ou reduziram as quantidades do que comem por falta de dinheiro; e "moradia precária", ou a dificuldade em pagar contas ou a necessidade de se mudar com frequência.
"Os preços da universidade são os mais altos já vistos",
denuncia  a professora Sara Goldrick-Rab, que liderou o estudo.
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     Entre as conclusões mais imporantes, encontra-se a porcentagem de alunos que passaram ao menos um dia sem comer no mês anterior à pesquisa por falta de dinheiro: 6% nas universidades e 9% nos cursos técnicos.
      Os motivos que levam a isso são, segundo os pesquisadores, a alta do custo dos estudos, a dificuldade para encontrar um emprego em tempo parcial, a falta de auxílio adequado, o maior número de alunos com menor poder aquisitivo, e o desconhecimento do problema por parte de algumas instituições.
      A situação acaba muitas vezes ignorada pelas universidades porque elas "não se enxergam necessariamente com uma função de 'cuidar de adultos'", destaca a responsável pela pesquisa.
      "De certa forma, as universidades assumem que, se os alunos chegaram até lá, é porque têm a capacidade de cuidarem de si próprios", pontuou.
      "Mas não se dão conta de que não se trata de não ser capaz de cuidar de si mesmo. Trata-se de não ter dinheiro suficiente para isso", completa a professora Sara Goldrick-Rab.
      Os números do estudo, segundo ela, são apenas a "ponta do iceberg": "A verdade é que isso não representa a situação nacional, porque não há dados disponíveis para isso".
      As dificuldades para pagar as faturas ou o preço de uma comida prejudicam o rendimento dos estudantes, sobretudo daqueles com menos recursos, e acaba muitas vezes forçando esses alunos a abandonarem as aulas.

Livros, aluguel ,comida...

      Sridhar, conhecida como "Sippy", sabe bem como pesam os custos da vida universitária. A situação na qual encontrou sua amiga a surpreendeu e a fez começar um projeto que agora se tornou uma iniciativa nacional: "Donor to Diner" (um doador para um jantar, na tradução livre) ou D2D.
      "Não queremos que um aluno que é bom não possa completar seus estudos porque não consegue se alimentar", explica a fundadora da iniciativa à BBC.
      A jovem, que agora faz doutorado em Medicina na universidade do Sul do Alabama, considera urgente conscientizar a todos sobre a situação.
      "Quando se pensa em fome e insegurança alimentar, você normalmente não pensa em alunos universitários. Isso torna o problema mais grave: os estudantes pensam que isso é um problema isolado deles, mas não é bem isso".
      Organizações como a D2D, lideradas e geridas por estudantes, estão largando na frente para mudar esse cenário com todo o tipo de campanhas, desde aquelas que oferecem comida gratuita até outras para criar redes em nível nacional.
      Para Sridhar, na situação atual, qualquer pessoa pode ter problemas desse tipo devido aos altos custos das carreiras nos Estados Unidos: as elevadas taxas das universidades, dos livros e do aluguel.
      "Muita gente sofre com este problema. A maioria, inclusive", concluiu.

Conclusões da pesquisa:
- 36% dos universitários pesquisados sofrem de "insegurança alimentar"; nos cursos técnicos, são 42%.
- 36% dos universitários tinham uma "moradia precária", enquanto o número sobe para 46% no caso de estudantes de cursos técnicos.
- 9% não tinham um lugar para morar em 2017: dormiam em albergues, em veículos ou em prédios abandonados; nos cursos técnicos, esse número era de 12%.
Por BBC Brasil

Candidato negro aprovado na ampla concorrência não preenche vaga de cotista

FOTO: Arquivo CNJ
     Candidato negro com nota suficiente para passar na disputa da ampla concorrência de concurso para juiz não compõe os 20% destinados às cotas. Esse foi a decisão do Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na 271º Sessão Ordinária, realizada nesta terça-feira (8/5).
     O entendimento se deu na análise dos procedimentos de controle administrativo (PCA) 0005527-64.2017.2.00.0000, 0005566-61.2017.2.00.0000 e 0005586-52.2017.2.00.0000, que questionavam normas do Edital n. 11/2017, publicado pelo Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) para selecionar candidatos ao cargo de juiz substituto.
     O caso em análise tratava de um candidato que obteve nota de aprovação na concorrência geral. Concorrentes não cotistas pediam que ele fosse classificado dentro da cota e, assim, liberasse a vaga. Em concordância a esse entendimento, o relator dos processos, conselheiro Aloysio da Veiga, defendeu a tese de que os negros aprovados na lista geral devem ser considerados na cota de 20%.
     Ao inaugurar divergência, o conselheiro Valtércio Oliveira ponderou que a Resolução CNJ 203 prevê expressamente que candidatos negros aprovados na ampla concorrência “não serão computados para efeito de preenchimento das vagas reservadas a candidatos negros”.
     O entendimento, destacou Valtércio, reproduz o § 1º do artigo 3º da Lei n. 12.990/2014, que inaugurou a política de reserva de vagas para negros nos concursos da administração pública federal.
     Votaram com a divergência os conselheiros Fernando Mattos, Valdetário Monteiro, André Godinho, Maria Tereza Uille, Iracema do Vale, Luciano Frota e a ministra Cármen Lúcia. O relator, por sua vez, foi acompanhado pelos conselheiros Arnaldo Hossepian, Henrique Ávila e o corregedor João Otávio de Noronha.
Classificação
     Além da questão referente ao preenchimento do percentual das cotas, os autores dos processos questionavam decisão do TJ-PI, que na divulgação final do resultado, eliminou candidatos que, apesar de aprovados no certame, ocupavam posições superiores à 72ª posição na lista.
     De acordo com o relator, o ato viola ao art. 10 da Resolução CNJ 75/09, que determina que serão considerados aprovados todos aqueles habilitados em todas as etapas do concurso. Neste quesito, o relator foi acompanhado, por unanimidade, pelo Plenário.
Redução da desigualdade
     Aprovada em 2015, a norma do CNJ visa reduzir a desigualdade de oportunidades entre a população afrodescendente na Justiça brasileira. Apesar de 51% da população (97 milhões de pessoas) se definirem pardos ou negros, no Judiciário eles são apenas 15%, de acordo com o Censo do Judiciário – realizado pelo conselho com magistrados, em 2013.
Thaís Cieglinski 
Agência CNJ de Notícias

Por que as pessoas ainda passam fome?

         Há comida suficiente no mundo, mas centenas de milhões de pessoas vão para a cama todas as noites com o estômago vazio. Líderes mundiais prometem acabar com a fome até 2030. Mas o que causa isso e como evitamos isso? 
 

Por que Karl Marx é mais relevante do que nunca

Uma biografia otimista coloca o grande pensador em seu contexto do século XIX

Adam Tooze in Financial Times

     Em 24 de agosto de 1857, a Companhia de Seguros de Vida de Ohio faliu. Em alguns meses, mais de 1.400 bancos entraram em colapso em toda a América e a onda se espalhou para Liverpool e Londres. No final do ano, alcançou a Europa continental, a América Latina, a África do Sul, a Austrália e a Ásia. Em Londres, onde a suspensão do Bank Charter Act de 1844 havia liberado o Banco da Inglaterra para adotar qualquer medida emergencial necessária, um obscuro exilado alemão foi acionado. Ele se propôs a diagnosticar um novo fenômeno, uma crise econômica global. No decorrer do milênio anterior, o mundo havia sido varrido por movimentos religiosos, convulsões políticas, pragas e fome. No ano de 1857 ocorreu a primeira convulsão mundial no sistema de produção, crédito e troca. Dos esforços desse estudioso solitário, conhecido então apenas em um círculo estreito, surgiria uma tradição intelectual que viria encontrar seu lugar ao lado de Darwin como um dos grandes legados da era vitoriana. Isso inspiraria um movimento político que se estendeu pelo mundo. 
     Karl Marx nasceu há 200 anos em 5 de maio de 1818, no antigo episcopado palatino de Trier, de uma família judia convertida. Cresceu à sombra da Revolução Francesa; a religião e a monarquia foram os primeiros alvos de seu radicalismo juvenil. Mas, na década de 1840, quando a indústria se espalhou pela Europa, Marx deu uma guinada ainda mais radical. Lendo a reportagem de Friedrich Engels sobre a Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra, Marx vislumbrou uma nova realidade. Ele não usou o termo Capitalismo - que seria mais tarde cunhado por seus alunos -, mas não havia como negar a dinâmica maciça resultante da combinação de acumulação competitiva de capital e mudança tecnológica. 
     Como Sven-Eric Liedman mostra em sua histórica biografia de aniversário, A World to Win, a busca pela compreensão da realidade contemporânea por meio das forças de produção, relações de classe e estruturas políticas, jurídicas e culturais construídas sobre elas ocuparia Marx o resto da vida dele. Como mostra Liedman, a partir da década de 1840, esses foram os fios que Marx seguiu para "os labirintos da época em que ele vivia". 
     Marx e Engels estavam longe de serem os únicos a criticar os efeitos da revolução industrial. Mas, enquanto muitos de seus contemporâneos reagiram optando pela salvação nas comunidades utópicas, os dois alemães permaneceram fiéis à sua educação na filosofia de Hegel: não havia escapatória da história e de sua lógica. Os dois homens apostaram que a transformação revolucionária do capitalismo viria não de fora, mas de dentro. Apesar de todos os seus terríveis efeitos colaterais, a enorme dinâmica do desenvolvimento industrial não podia ser suprimida ou evitada, teria que ser transcendida. 
     Quando a revolta revolucionária soou em toda a Europa em 1848, Marx e Engels estavam prontos com o Manifesto Comunista. A grande revolução francesa de 1789, eles anunciaram, era apenas um degrau, uma revolta burguesa contra o feudalismo. O capitalismo havia sido liberado em todo o mundo e agora estava dando origem a seus coveiros na forma da classe trabalhadora industrial sem direitos e sem propriedade. Marx e Engels se dirigiram aos trabalhadores do mundo não por razões sentimentais ou éticas. Seu impulso não foi caridoso. Eles falaram ao proletariado porque estavam destinados a ser os protagonistas do próximo grande ato na história da luta de classes. 
     O Manifesto oferece um vislumbre surpreendente de um futuro por vir. Mas, Marx e Engels estavam pensando em seus pés. No calor de 1848, eles não tiveram tempo para uma análise profunda. Marx já era um homem marcado, exilado tanto da Prússia quanto da França. O fracasso da revolução na França obrigou-o a se mudar mais uma vez, desta vez para Londres. Lá, ele primeiro se pôs a diagnosticar o que deu errado. Como a promissora revolta revolucionária de 1848 terminou três anos depois, na tomada do poder pelo sobrinho de Napoleão Bonaparte? O que ocorreu em 1848, descobriu-se, não foi uma verdadeira revolução, mas a história como repetição farsesca. O verdadeiro drama da história mundial foi o épico do desenvolvimento capitalista. Em particular, Marx ficou fascinado com o espetáculo da implacável expansão da América. O evento realmente decisivo em 1848 foi a conquista da Califórnia e a corrida do ouro que prometia reorientar não apenas o americano, mas também a economia mundial em direção ao Pacífico. Era ao mesmo tempo deslumbrantemente dinâmico e terrivelmente instável. Nove anos depois, a crise de 1857 revelou como o mundo se tornara conectado. As notícias de um fracasso financeiro no vale do rio Missouri provocaram a queda dos mercados na Grã-Bretanha. Seria essa a grande crise que abriu a porta para o novo tipo de revolução? 
     Apesar da atividade febril de Marx na sala de leitura do Museu Britânico, o ritmo dos acontecimentos ultrapassou-o. Em 1858, o rebote já estava em pleno andamento. Seu esforço para compreender em tempo real a primeira crise do capitalismo global resultou em uma massa de notas mais tarde conhecidas por aficionados como os Grundrisse, ou “Groundwork”, mas sem análise final. Marx sabia que ele teria que cavar mais fundo. Como o ardor revolucionário se atenuou e na década de 1860 o mundo entrou na era de Bismarck, sangue e ferro e realpolitik, Marx se dedicou à análise do funcionamento interno do capitalismo, inventando uma síntese única da teoria econômica, dados empíricos extraídos de relatórios de inspetores de fábricas e história econômica, tudo misturado com a lógica dialética de Hegel. O resultado não foi a economia como a conhecemos, mas uma análise de como a produção e a troca capitalistas, até a própria forma da mercadoria, deu origem a um mundo de aparências que a economia convencional procurou mais ou menos ingenuamente para explicar. 
     Um enorme esforço intelectual foi empreendido em face da considerável adversidade pessoal. O doutorado em filosofia de Marx é um testemunho de sua educação confortável.
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     A esposa de Karl, Jenny von Westphalen, sem a qual seus manuscritos rabiscados nunca teriam visto a luz do dia, nasceu aristocrata. Mas, Marx não era um radical acadêmico bem estofado. Karl e Jenny pagaram pelo seu compromisso político. Durante anos eles sobreviveram em uma favela de dois quartos no Soho, sobrevivendo de um dia para o outro na loja e com uma dieta de pão e batatas. Quatro de seus oito filhos morreram antes de chegarem à adolescência. Apenas presentes de Engels e empregos em jornais os mantinham à tona. Se Marx fosse transportado através do tempo para a Londres do século XXI, o enrascado estudante de sotaque estrangeiro em seu sobretudo esfarrapado teria sorte de passar pela segurança da Biblioteca Britânica. 
     O primeiro volume de seu magnum opus, Das Kapital , apareceu em 1867 e foi rapidamente traduzido para o inglês, o russo e o francês. Na esteira da revolta de curta duração da Comuna de Paris de 1871, Marx tornou-se notório como o pensador mais perigoso da Europa. Muito de seu tempo foi tomado em discussões políticas e intelectuais sobre o movimento socialista emergente. Os volumes II e III de Das Kapital nunca foram concluídos e tiveram de ser editados por Engels após a morte de Marx em 1883. No entanto, na década de 1890, o marxismo era a ideologia oficial do maior partido de massas do mundo, os social-democratas da Alemanha. Na esteira da revolução bolchevique de Lenin e da expansão do poder soviético sob Stalin, foram erguidas estátuas de Marx em todo o mundo. Em Cuba, na China, no Vietnã e na Coréia do Norte, elas ainda hoje estão de pé.
Estátua de Marx em Trier, Alemanha  - Harald Tittel / dpa
     Em 2017, para o desânimo dos habitantes locais, a China pagou por uma gigantesca estátua de Marx, de 4,4 metros, a ser erguida em Trier.
     Escrever uma biografia de Marx é um desafio. Você tem que trançar a história com filosofia, política e economia. E depois há a questão da trama. Como você conta a história of an acorn que se transformou em um poderoso carvalho, um carvalho que foi dividido e dividido e, em grande parte, em 1989, foi atingido pelos raios da história mundial? 
     O mais seguro é consignar Marx ao século XIX. Ele era the acorn e nada mais. Outros têm uma visão mais sombria. A semente foi arruinada desde o início. O fim triste era previsível. Não foi por coincidência que Marx não conseguiu terminar o Das Kapital. Estava cheio de contradições. Sua frustração pessoal antecipou a da União Soviética. 
     Na narrativa A World to Win, de Sven-Eric Liedman’s, Marx não é uma relíquia histórica, nem é o precursor de um naufrágio do século XX. Ele é o iniciador e inspirador de uma tradição intelectual viva e um modelo do tipo de pensamento amplo que é necessário para apreender a modernidade contemporânea. A força de Liedman é como filósofo político e ele está soberbamente bem equipado para nos levar a um tour pela oficina intelectual de Marx. Em vez de insistir na natureza incompleta de grande parte do trabalho de Marx, ele expõe a riqueza a ser encontrada talvez particularmente em obras inacabadas como os Grundrisse e os primeiros “manuscritos de Paris” de 1844.
Imagem Marx em semáforo em Trier, Alemanha © Reuters
     O que faz com que o retorno de Liedman ao Marx original valha a pena é o conceito de que com a passagem da era do século XX do welfare state e do comunismo soviético, o mundo globalizado do capitalismo de livre mercado que habitamos tem muito em comum com o mundo que Marx descreveu em meados do século XIX. “É o Marx do século XIX”, ele nos diz, “quem pode atrair o povo do século XXI”. O que nos fala hoje é o verdadeiro Marx do meado-vitoriano, e não o Marx traduzido das ideologias de estado do século XX. Essa elipse histórica da primeira era vitoriana da globalização até o presente é sedutora, mas ignora a desconfortável realidade do século XX, cujos legados incluem não apenas o fracasso do comunismo soviético, mas também o formidável capitalismo de estado da China, a Hiperpotência americana e a ameaça existencial da mudança climática. Não parece provável que Marx tenha aprovado tal artifício histórico. Ao invés de confiar em analogias históricas casuais, Marx certamente teria insistido na necessidade de encarar o drama completo de nossa atual situação e, ao fazê-lo, podemos de fato nos inspirar em seu esforço pioneiro para entender o fracasso de 1848 e a crise econômica de 1857. 
     Em 2013, na esteira de outra crise global do capitalismo, outro economista europeu publicou um relato abrangente da história econômica recente. O título do livro de Thomas Piketty é Capital, também. Se você ler Piketty e Marx de costas um para o outro, não se surpreenderá que, geração após geração, leitores tenham sido atraídos de volta a Marx. Mesmo a melhor ciência social do século XXI empalidece ao lado da complexidade e riqueza do pensamento proteico de Marx do século XIX, ao qual a biografia legível de Liedman fornece um guia abrangente e confiável. 

A World to Win: The Life and Works of Karl Marx, by Sven-Eric Liedman, translated by Jeffrey N Skinner, Verso, RRP£35, 768 pages.

Banco Inter atrai R$ 400 mi de pessoas físicas em IPO



CAUE DINIZ

O Estado de S. Paulo.

     O banco mineiro Inter teve demanda de R$ 400 milhões vinda de pessoas físicas em sua oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). Como a demanda dos investidores superou a operação, parte desses interessados acabou ficando de fora, visto que esse público levou apenas 10% da oferta, conforme previsto em regulamento - ou seja, um pouco mais de R$ 70 milhões. Apesar de ser uma captação relativamente pequena para o padrão da bolsa brasileira, mais de 40% dela foi alocada no exterior, para fundos como BlackRock e o soberano de Cingapura, o GIC. 
     Na cerimônia em comemoração à estreia do banco na B3, o destaque foi a presença dos ex-jogadores e hoje diretores do São Paulo, Raí e Diego Lugano. A instituição financeira é um dos patrocinadores do time paulista. 
     A Unit do banco Inter chegou a subir 16% na B3, mas terminou o pregão estável. » Em busca de retorno. O maior interesse da pessoa física nos IPOs, que também foi observado nas ofertas das operadoras de planos de saúde Notredame Intermédica e Hapvida, reflete o aumento da participação desse tipo de investidor na bolsa. Nesse momento em que a queda dos juros está iniciando um movimento de migração dos investimentos em busca de retorno, o número de CPFs registrados na Bolsa já bateu recorde e está em 653 mil. O melhor ano da história, até então, foi o de 2010 - quando o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 7,5% e o número de investidores pessoas físicas chegou em 610 mil. 
     Mantra. A bandeira da B3, de ter a companhia “voltada e próxima aos clientes”, já tem presença obrigatória nos discursos do presidente da bolsa brasileira, Gilson Finkelsztain, que completa hoje um ano à frente da companhia. Nos últimos eventos em comemoração de aberturas de capital, o executivo reiterou que a B3 “atua lado a lado com seus clientes em busca de soluções para potencializar o crescimento”.
     Potenciação matemática. O executivo tem utilizado, ao falar sobre o valor de proximidade aos clientes, as palavras “potência” e “potencializar”. Não é à toa, visto que esse é exatamente o significado do logo da companhia, originada após a fusão entre BM&FBovespa e Cetip. A logomarca B³ já traz o mantra “toda potência do mercado”.
     Repeteco. A Genom, unidade de negócios da União Química Farmacêutica, projeta elevar sua receita em 25% neste ano, após reforçar a equipe com a adição de 85 colaboradores. Se conseguir o feito, pode repetir o desempenho de 2017, quando expandiu o faturamento em 27%, para R$ 260 milhões, superando o mercado farmacêutico como um todo, que teve crescimento de 11,9%, segundo a consultoria IMS Health.
     Em casa. A presidente e dona da Gradual Investimentos, Fernanda Lima, foi afastada do comando da empresa somente após deixar, na tarde de domingo, o complexo penitenciário feminino do bairro de Santana. O Desembargador Federal Nino Toldo, do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), concedeu liminar para que ela deixasse a penitenciária feminina do Estado e pudesse permanecer em casa, em regime domiciliar. Ele impôs, contudo, o “afastamento da gerência, direção ou qualquer atividade de gestão”.
     Vale lembrar. A Gradual é alvo das investigações da Polícia Federal nas Operações Papel Fantasma, Encilhamento, Rizoma e Gatekeepers, que miram um esquema fraudulento bilionário em fundos de pensão municipais. Procurada, a Gradual diz que Fernanda e Gabriel Freitas, respectivamente CEO e diretor de operações, apresentaram renúncia de suas funções há mais de uma semana para evitar conflitos de interesse e quaisquer equívocos em decorrência das investigações. Atualmente, a empresa está sob a gestão de 11 comitês, criados em 2017.
     Menos é mais. Em tempos em que a cultura do workaholic é cada vez mais criticada, os brasileiros demonstram maior interesse em ter qualidade de vida. Pesquisa da 7waves aponta que 34% dos entrevistados estão mais preocupados em ter uma melhor qualidade de vida do que com a carreira. O maior interesse na carreira respondeu por apenas 15%.
     Arena. A Agrishow, uma das maiores feiras do mundo no setor de agronegócio, virou uma verdadeira arena entre os grandes bancos no País. A 25.ª edição da feira, que acontece em Ribeirão Preto (SP) nesta semana, conta, inclusive, com a alta cúpula dessas instituições. Além de Paulo Caffarelli, presidente do Banco do Brasil – instituição líder no segmento –, Sergio Rial, presidente do Santander Brasil, voltará à feira neste ano. » Potencial. O maior apetite dos grandes bancos encontra respaldo no peso do setor de agronegócio, que respondeu por 23,5% do PIB brasileiro no ano passado. Somente o BB emplacou R$ 500 milhões em propostas ontem, dobro da cifra registrada no primeiro dia da feira em 2017 e o maior volume já obtido em eventos na história do banco.

Brasil tem pior déficit primário para março, a R$25 bi, segundo a Reuters, mas continua no caminho para cumprir meta

     BRASÍLIA (Reuters) - O setor público consolidado brasileiro registrou déficit primário de 25,135 bilhões de reais em março, recorde para o período mas dentro do esperado, o que mantém o país no caminho para cumprir a meta fiscal deste ano.
     Em pesquisa Reuters com analistas, a expectativa era de déficit primário de 24,8 bilhões de reais. Este foi o pior dado para março na série histórica do Banco Central iniciada em dezembro de 2001.
     A performance foi puxada pelo resultado do governo central (governo federal, BC e Previdência), negativo em 25,531 bilhões de reais, divulgou o BC nesta segunda-feira. Na semana passada, o Tesouro Nacional já tinha informado que o rombo recorde para o governo central no período foi influenciado pela estratégia do governo de adiantar o pagamento de precatórios.
     “Se você olhar num período mais longo, (o resultado primário do setor público) permanece numa trajetória de déficit. A meta que há este ano é meta de déficit que deve ser alcançada”, disse o chefe do departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, em coletiva de imprensa.
     Os governos regionais (Estados e municípios) tiveram superávit primário —economia feita para pagamento da dívida pública— de 552 milhões de reais em março, enquanto as empresas estatais tiveram déficit de 156 milhões de reais. No acumulado do primeiro trimestre, o setor público consolidado registrou superávit primário de 4,391 bilhões de reais, melhor que o saldo positivo de 2,197 bilhões de reais em igual etapa de 2017. Em 12 meses, o déficit primário foi a 108,389 bilhões de reais, equivalente a 1,64 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). Para 2018, a meta é de rombo de 161,3 bilhões de reais, que deverá marcar o quinto resultado seguido no vermelho do país.
     Como consequência desse descompasso entre receitas e despesas, a dívida pública tem seguido trajetória de alta. Em março, a dívida pública bruta ficou em 75,3 por cento do PIB, maior nível da série e acima do patamar de 75,1 por cento em fevereiro, mas abaixo da projeção de analistas ouvidos pela Reuters de 75,5 por cento.
     Já a dívida líquida cresceu a 52,3 por cento do PIB, sobre 52,0 por cento em fevereiro, ligeiramente abaixo da expectativa de 52,4 por cento.

Edição de Patrícia Duarte

Pinelopi Goldberg, a nova economista-chefe do Banco Mundial.


    Especialista em efeitos da liberalização do comércio nos países em desenvolvimento, a professora de Yale, de nacionalidade greco-norte-americana, Pinelopi Koujianou Goldberg é a nova economista-chefe do Banco Mundial. Ex-editora-chefe da American Economic Review produziu trabalhos relevantes sobre os efeitos da globalização na distribuição de renda e na desigualdade em economias emergentes. 
    Segundo Yong Kim, presidente do Banco Mundial, em declarações para o FT, “Goldberg passou sua carreira examinando muitas das mais importantes – e difíceis – questões do nosso tempo: como ajudar os países em desenvolvimento a se prepararem para a economia do futuro e como garantir a igualdade de oportunidades em todo o mundo.
    Goldberg estudou na Grécia e na Alemanha antes de concluir doutorado na Universidade de Stanford. Boa parte de sua carreira esteve em Princeton e Yale.
Alguns trabalhos relevantes de Pinelopi:
· Goldberg, Pinelopi; Michael M. Knetter (1997). "Preços de bens e taxas de câmbio: o que aprendemos?". Jornal de literatura econômica . 35 (3): 1243-1272.
· Goldberg, Pinelopi Koujianou; Nina Pavcnik (2007). "Efeitos distributivos da globalização nos países em desenvolvimento". Jornal de literatura econômica . 45 (1): 39-82.
· Maggi, Giovanni; Pinelopi Koujianou Goldberg (1999). "Proteção à Venda: Uma Investigação Empírica". Revisão Econômica Americana . 89 (5): 1135-1155.
· Goldberg, Pinelopi Koujianou (1995). "Diferenciação de produtos e oligopólio nos mercados internacionais: o caso da indústria automobilística dos EUA". Econometrica: Jornal da Sociedade Econométrica : 891-951. Goldberg, Pinelopi Koujianou; Amit Kumar Khandelwal, Nina Pavknik e Petia Topalova (2010). "Insumos intermediários importados e crescimento do produto interno: evidências da Índia". O Quarterly Journal of Economics . 125 (4): 1727-1767.
· Attanasio, Orazio; Pinelopi K. Goldberg e Nina Pavcnik (2004). "Reformas comerciais e desigualdade salarial na Colômbia". Jornal de Economia do Desenvolvimento . 74 (2): 331-366.

O que o dinheiro não pode comprar



O que o dinheiro não pode comprar examina o papel do dinheiro e da moral no mundo de hoje. Você deveria poder vender seu rim? Ou leiloar o direito de imigrar? Pagar as pessoas para votar? Há algo errado em lucrar com a morte de um estranho? E quanto aos ingressos para um show de rock - ou para uma consulta médica? Professor de Harvard, Michael Sandel lidera doze estudantes universitários excepcionais de todo o mundo perguntando onde os mercados servem ao bem público. Sandel e seus alunos analisam diferentes tipos de mercado - da venda de rins à venda de votos - para entender melhor uma sociedade em que tudo parece estar à venda. Percepções de Joseph Stiglitz, Larry Summers, Minouche Shafik, Greg Mankiw, Dambisa Moyo, Richard Posner e Robert Barro aparecem nos debates.

O continente homicida

A silhueta de uma vítima. Recife. Foto: Eraldo Peres / AP
           Mais de 2,5 milhões de homicídios desde o início deste século, segundo relatório do Igarapé, instituto brasileiro que pesquisa segurança e desenvolvimento. Cerca de 33% por cento dos homicídios do mundo foram cometidos na América Latina, onde vivem não mais do que 8% dos habitantes do planeta. Retrato sem retoques do subdesenvolvimento social e econômico desta parte do planeta. Quatro países, Brasil, Venezuela, Colômbia e México, são responsáveis por um quarto do total de homicídios globais.
               Em número de homicídios, o Brasil está na frente de países oficialmente em guerra, como Síria, Iraque e Afeganistão. Segundo Robert Muggah, um dos pesquisadores do Instituto Igarapé, a tendência na América Latina é de deterioração da segurança e aumento de homicídios. A taxa deve continuar aumentando até 2030. Crescimento similar apenas em zonas de guerra e certos lugares da África Central e Austral. A idade de cerca de metade das vítimas varia entre 15 e 29 anos. Mais de 75% das mortes relacionadas à armas de fogo; a média global é de cerca de 40%.

THOMSON REUTERS VÍDEO AULA 01 - Custo Brasil

O futuro das Parcerias Público-Privadas no Brasil

STF julga constitucional resolução sobre utilização das interceptações telefônicas pelos membros do MP

     Maioria considerou que a resolução se baseia na lei e, portanto, o CNMP não exorbitou do poder regulamentador que lhe foi atribuído pela Constituição Federal. 

     Por maioria de votos (6 a 5), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4263 e declarou a validade constitucional da Resolução 36/2009, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que dispõe sobre o pedido e a utilização das interceptações telefônicas pelos membros do Ministério Público, nos termos da Lei 9.296/1996 (Lei das Interceptações Telefônicas). A resolução foi questionada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que alegou que o CNMP agiu além de sua competência constitucional de regulamentar, tanto com invasão da autonomia funcional dos membros do Ministério Público, como por ter inovado o ordenamento jurídico.
     Prevaleceu, na sessão plenária desta quarta-feira (25), o entendimento de que a resolução se baseia na lei e, portanto, o CNMP não exorbitou do poder regulamentador que lhe foi atribuído pela Constituição Federal. De acordo com o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso – que foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia, presidente da Corte –, a resolução questionada apenas disciplinou a conduta do Ministério Público nas hipóteses de interceptação telefônica, sem criar normas materiais de direito penal ou de direito processual penal, até porque não prevê qualquer tipo de nulidade, mas apenas eventuais sanções administrativas para o membro do Ministério Público que venha a descumpri-la. 
    “Aqui a lógica é singela: se o Conselho Nacional do Ministério Público tem competência para punir o membro do Ministério Público que se comporte de maneira desconforme com a normatização adequada, o Conselho evidentemente também tem a competência para definir, em abstrato, qual é o comportamento exigido. Estou convencido que a resolução não cria requisitos formais de validade para a interceptação, cria apenas normas administrativas para nortear a conduta do Ministério Público nesses casos”, afirmou Barroso. Para o relator, a resolução é benéfica ao jurisdicionado, na medida em uniformizou procedimentos destinados a manter o dever de sigilo, um dos deveres funcionais dos membros do MP. 
     Em seu voto, o ministro Barroso destacou que, em matéria de interceptação telefônica, o pedido de prorrogação deve ser devidamente fundamentado e justificado para ser válido. O ministro observou que, embora o STF tenha decidido que não é necessária a transcrição completa da interceptação utilizada como meio de prova, é necessário transcrever o trecho completo da conversa para que esta possa ser contextualizada, não podendo haver edição. Em seu entendimento, a resolução observou esses dois importantes pontos. 
     De acordo com o relator, os dispositivos da resolução cumprem o mandamento constitucional que disciplina os deveres do Ministério Público, inclusive o de sigilo. Para ele, a resolução uniformiza e padroniza alguns procedimentos formais em matéria de interceptação telefônica, dando concretude ao princípio da eficiência. Nesse sentido, a resolução prevê, em seu artigo 4º, o que deve constar do pedido de interceptação, e dispõe que eventual pedido de prorrogação deve ser acompanhado por mídia que contenha o inteiro teor do áudio das comunicações interceptadas, com a indicação dos trechos relevantes e o relatório circunstanciado. 
    O relator também rejeitou o argumento de que a resolução cria novos requisitos formais de validade para a interceptação telefônica. “A consequência para eventual inobservância dos preceitos do ato impugnado não é a nulidade das interceptações telefônicas, mas sim eventual procedimento administrativo disciplinar, por se tratar de previsões ligadas ao dever funcional de sigilo e à eficiência da atuação ministerial”, disse Barroso. O ministro afirmou ainda que, ao contrário do alegado, a resolução também não viola a independência funcional dos membros do MP. 
     “A resolução não trata da imposição de uma linha de atuação ministerial, o que poderia violar a independência funcional, mas apenas de uma padronização formal mínima dos pedidos de prorrogação. A propósito, ainda que no âmbito de uma mesma apuração, pode haver a atuação de mais de um membro do Ministério Público em momentos distintos. Assim a existência de um grau mínimo de padronização atende aos princípios da eficiência e é altamente conveniente para a continuidade das investigações”, assinalou o relator. 

Divergência 

     O ministro Alexandre de Moraes divergiu parcialmente do relator. Para ele, a resolução contém dispositivos que inovam, ao exigir procedimentos não previstos na Lei de Interceptações Telefônicas e ao dotar membros do Ministério Público de poderes que não lhes foram conferidos. São eles: o parágrafo 2º do artigo 4º, o artigo 5º e 6º, o parágrafo 3º do artigo 8º e o artigo 9º. O primeiro exemplo disso, segundo afirmou, é o disposto no parágrafo 2º do artigo 4º, que permite ao membro do Ministério Público responsável pela investigação criminal requisitar os serviços e os técnicos especializados às concessionárias de serviço público. “O que a lei prevê é que a polícia faça isso, com o acompanhamento do Ministério Público”, enfatizou. 
     Moraes também apontou inovação constante do artigo 5º da resolução, na parte em que exige que o pedido de prorrogação da intercepção telefônica, por parte do membro do MP, seja instruído com os áudios (CD/DVD) com o inteiro teor das comunicações interceptadas, indicando neles os trechos das conversas relevantes à apreciação do pedido. “O pedido de prorrogação deve ser necessariamente fundamentado, mas não com apresentação da mídia. A lei não exige isso, portanto não se trata de padronização de procedimentos. Isso fere a autonomia funcional do membro do Ministério Público e também a reserva legal”, afirmou. 
     A divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes foi seguida pelos ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio (que divergiu em maior extensão). Essa corrente ficou vencida no julgamento. 
                                                                                                                         VP/C 
                                                                                                                         stf.jus.br

CNJ abre processo contra juiz do Piauí acusado de vender sentença

     O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu por unanimidade, nesta terça-feira (24/4), abrir um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar a conduta do juiz José Willian Veloso Vale na 2ª Vara da Comarca de Campo Maior/PI, a 115 quilômetros de Teresina. 
Foto: Gil Ferreira / Agência CNJ
     O juiz, afastado em 2011 por decisão do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI), é acusado de violar os deveres funcionais por solicitar dinheiro em troca de favorecimento em decisões judiciais envolvendo a prefeitura de Nossa Senhora de Nazaré, município vizinho a Campo Maior. 
     Durante a 270ª Sessão Plenária do Conselho, o Corregedor-Nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, relator do processo, considerou que a conduta é passível de ampla investigação para apuração das supostas transgressões funcionais e práticas ilícitas, devido aos fortes indícios demonstrados no processo. 
     Noronha decidiu pela abertura do PAD e foi acompanhado pelos demais conselheiros do CNJ. A defesa de José Willian Veloso Vale alegou, em um dos recursos no CNJ, que a investigação estaria prejudicada pois o magistrado havia requerido a aposentadoria voluntária. Contudo, o CNJ decidiu que aposentadoria voluntária não é obstáculo para a continuidade dos trabalhos de investigação de condutas dos magistrados. Para o ministro Noronha, não se pode admitir o pedido de aposentadoria voluntária, o que deverá ser apreciado após a apuração das supostas falhas funcionais e das penalidades cabíveis. 
                                                                                                                 Agência CNJ de Notícias

Conteúdos da Bíblia por trás de um manuscrito do Alcorão

Foto: Christie's
  Interações religiosas. A imagem de um palimpsesto onde especialistas observam texto cristão apagado para dar lugar a um manuscrito do Alcorão do século VIII. A descoberta é da pesquisadora Eléonore Cellard, do Collège de France. Atrás da escrita árabe as letras coptas que remetem ao Livro do Deuteronômio do Antigo Testamento - parte da Torá e do Velho Testamento cristão.

Sorte


     "Sorte" não é uma palavra nova: existe desde o final da Idade Média. No entanto, tornou-se educado entre os millennials atribuir a tudo o que temos à sorte, e isso, eu acho, é novo. Acadêmicos iniciantes na minha universidade me dizem que têm “sorte” de receber o salário mínimo para fazer seus trabalhos de ensino altamente especializados, para os quais um PhD é um requisito mínimo. Amigos que moram em Londres me dizem que têm sorte de alugar um quarto em um apartamento minúsculo que custa mil libras por mês. Trabalho duro, auto-sacrifício, precariedade: todos estes são cuidadosamente mascarados por uma retórica de sorte. 
     Embora seja educado enfatizar as maneiras pelas quais temos sorte, e embora seja valioso nos lembrarmos das maneiras pelas quais as pessoas estão em situação pior, na verdade não fazemos nada para ajudar a nós mesmos ou àqueles outros se afirmarmos que tudo na vida é uma questão de sorte. A precariedade é um resultado da política econômica. A sorte não tem nada a ver com isso. 

MOZLEY, Fiona

STJ: quem não pagar pensão a ex-cônjuge pode ser preso

Deputado preso integra comissão que prepara novo Código de Processo Penal

     Preso desde fevereiro, João Rodrigues não pode trabalhar na Câmara. Comissão especial analisa texto que propõe mudanças em ações penais e em investigações criminais.

Por Fernanda Vivas, G1, Brasília
20/04/2018 

    O deputado João Rodrigues (PSD-SC), preso desde fevereiro por determinação do Supremo Tribunal Federal, é um dos integrantes da comissão especial que analisa a proposta de novo Código de Processo Penal (CPP).
    Se aprovado, o novo CPP vai substituir o atual, de 1941. O código traz regras para investigações criminais e ações penais que podem resultar em condenações na Justiça.
    Questionado sobre o fato, o líder do PSD, deputado Domingos Neto (CE), informou por meio da assessoria que o deputado foi reconduzido às comissões que já participava antes – procedimento comum na Casa.
    Declarou ainda que o processo de Rodrigues não transitou em julgado – ou seja, não se esgotaram as possibilidades de recursos na Justiça. E que, até a indicação para a comissão, o deputado ainda estava em atividade na Câmara.
    Cabe à liderança do partido indicar e retirar as indicações dos seus representantes nas comissões da Câmara, a qualquer tempo. O líder não informou se o deputado será ou não retirado do colegiado.
    A indicação do deputado João Rodrigues (PSD-SC) para a comissão especial foi feita em abril de 2015. O parlamentar foi condenado em segunda instância em 2009 por fraude e dispensa de licitação quando era prefeito da cidade de Pinhalzinho, em Santa Catarina.
    Em fevereiro deste ano ele foi preso por determinação do Supremo Tribunal Federal, que negou recurso do parlamentar e determinou a execução provisória da pena, de 5 anos e 3 meses de prisão.
    A assessoria do deputado argumentou que, mesmo preso, João Rodrigues é parlamentar e não teve o mandato cassado. E que, antes da prisão, ele atuava nos trabalhos da comissão.
 
Pedido para trabalhar negado
 
    Na semana passada, a juíza Leila Cury, da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, negou pedido da defesa do deputado para que ele possa trabalhar na Câmara.
    Na decisão, a juíza considerou que Rodrigues não preenche os requisitos para obter o benefício.
   “No caso em análise, entendo que o apenado não preenche os requisitos subjetivos para a concessão do benefício pleiteado, pois a proposta de trabalho apresentada não atende as condições legais necessárias ao retorno dele ao convívio social regular, especialmente em razão da natureza da função que exercia antes da prisão, qual seja, deputado federal, cujas prerrogativas legais - que não podem ser cerceadas ou mitigadas por este Juízo de execução penal - lhe garantem independência e autonomia no desempenho de suas atribuições constitucionais”, disse a magistrada.
    Ainda na decisão, a magistrada entende que o trabalho do deputado na Câmara não teria condições de ser fiscalizado por agentes penitenciários, já que eles não teriam acesso livre ao parlamentar, nem acesso imediato às dependências da Casa sem antes passar pelo controle da segurança da Casa.
    “O horário de funcionamento da Casa Legislativa não vincula os parlamentares a estarem ali presentes nas datas e horários estabelecidos, sendo os registros biométricos de presenças meros instrumentos para aferição de quórum destinado a instalação de sessões e reuniões. Não é possível concluir, ainda, que o circuito interno de TV e a transmissão de sessões e reuniões legislativas pela TV Câmara e pela Rádio Câmara seriam suficientes para comprovar a fiscalização da conduta diária”, afirmou a juíza.
    A assessoria do deputado informou que a defesa de João Rodrigues vai recorrer a decisão da juíza no prazo legal. Também pretende apresentar recurso junto ao Supremo Tribunal Federal.

Salário e verbas

    Embora impedido de atuar na Câmara, João Rodrigues não foi afastado do mandato. Ainda tem direito à remuneração mensal, cujo valor bruto é de R$ 33.763,00.
   Como o deputado está ausente das sessões de votação, poderá ter descontos proporcionais ao número de faltas.
    O parlamentar mantém ainda o direito às as verbas relacionadas ao exercício do mandato – como a cota para o exercício da atividade parlamentar, de R$ 39.877,78, e a verba de gabinete, de R$ 101.971,94. Ele mantém ainda o gabinete funcionando e não teve suplente convocado.
Processo no Conselho de Ética
    João Rodrigues também é alvo de processo no Conselho de Ética da Câmara, instaurado em 27 de fevereiro. No começo do mês, o relator da investigação, deputado Ronaldo Lessa (PDT-AL) apresentou parecer preliminar recomendando a continuidade das investigações contra o deputado.
    No documento, o relator argumentou que há indícios de quebra de decoro parlamentar.
    “A conduta descrita na peça inicial configura, em tese, afronta ao decoro parlamentar, por se tratar de prática de crime, devidamente reconhecido pelo Poder Judiciário, que tem o condão de resvalar na imagem que se espera de um membro desta Casa Legislativa”, informou no documento, que será analisado na próxima terça-feira (24).

Mercado e crescimento chinês de curto prazo

    De algum modo é necessário avaliar o desempenho da economia da China, ainda que pouco seguras as estatísticas, especialmente as produzidas pelo país asiático. 
    Os dados econômicos com que a academia trabalha sinalizam a vizinhança de desaceleração econômica na China. Os negócios imobiliários despencaram em março de 2018 e isso inevitavelmente inibe a indústria da construção civil chinesa. Ainda assim, a situação em abril de 2018 é de ganhos significativos, tendo-se em conta o desaquecimento de 2017. 
Aldeões escolhem as folhas de chá. Hubei. China central.
  A despeito do desaquecimento de 2017, as fusões e aquisições da China nos países da Associação das Nações do Sudeste Asiático cresceram muito. De acordo com Ernst & Young, em 2017, o valor das fusões e aquisições chinesas somente na ASEAN saltou para US$ 34,1 bilhões, aumento de 268%, representando um quarto do valor total das fusões e aquisições chinesas. 
    No primeiro trimestre deste ano de 2018 a China experimentou crescimento econômico de 6,8%, espetáculo que supera até as expectativas governamentais. As relações pouco amistosas com os EUA, nestes dias, dificilmente irão impactar, ao menos por enquanto, a economia chinesa. Afinal, empresas estatais seguem investindo fortemente em infraestrutura, o que de alguma maneira compensa a retração verificada, especialmente em 2016, de investimentos privados. 
    As inversões das firmas em ativos fixos hoje estão à frente dos realizados pelos conglomerados do Estado. Aço e alumínio são duas commodities em franca recuperação. Quanto será afetada a economia mundial pelo atrito entre China e EUA causa mais preocupação no mercado do que o crescimento econômico chinês de curto prazo.

Como os latino-americanos veem o senhor Trump

       
          A pouca estima de que goza o presidente dos EUA na América Latina é um recorde. Para 82% de entrevistados em estudo do Pew Research Center, o sr. Trump é arrogante; 77% o consideram intolerante e para 66% o presidente norte americano é um homem perigoso. 

Pela prisão após decisão de 2ª Instância

     A Constituição Federal em seu art. 5º, LVII, determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Essa presunção de não culpabilidade não se pode confundir com óbice à execução penal, porque erro teratológico aplicar-se o sentido de dispositivos constitucionais, individualmente, quando a hermenêutica jurídica exige interpretação conjunta. 
     A Constituição Federal brasileira é garante do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição, direitos que podem ser acessados, na prática, com o manejo de uma série robusta de recursos processuais, ausente a faculdade de que condenados em segunda instância possam vir a obter, ordinariamente, efeito suspensivo de pena em sede de recursos especial e extraordinário. O efeito suspensivo só - e somente só -, pode ser obtido como exceção em hipótese de presença de pressupostos em cautelar de REsp e RE. Até para os não devotos do brocardo de Ulpiano, in claris cessat interpretatio, exceção é aquilo que se exclui da regra. Absoluta é a ausência de base constitucional e legal à exigência de trânsito em julgado para início da execução de pena privativa de liberdade, no Brasil. A interpretação das leis é uma construção de raciocínio logico, bom senso e discernimento. 
     Os recursos processuais possíveis após o julgamento em 2ª instância, na ordem jurídica brasileira positivada, jamais podem questionar o quanto foi justo o decisum; o que decorre, em primeiro plano, da impossibilidade de reexame probatório. Defeso é o trânsito em julgado do último recurso cabível para o início do cumprimento da pena, porque em sentido oposto conceder-se-ia à prescrição status de recurso processual efetivo. 
     Já se disse - mas como poucos escutam não custa repetir -, que a presunção de não culpabilidade, reverenciada na legislação pátria, faz muito está consagrada no direito alienígena mais respeitável, sem impedir o início da execução da pena. Se a Justiça depende daqueles que a distribuem - e depende -, bem ameaçada restará se os membros do STF substituírem a ciência hermenêutica por suas questionáveis luzes.

LOUZADA, Arion

Constitucionalidade da Prisão em 2ª Instância

NOTA TÉCNICA

* Membros do Ministério Público e Juízes de Direito pela execução provisória de pena no Brasil.

NÃO VIOLAÇÃO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 

     O princípio da presunção de inocência, ao longo dos tempos, evidenciou-se de extremo valor para a liberdade individual e a sociedade civilizada. Suas implicações, no entanto, jamais foram reputadas absolutas. 
     Não se trata de cláusula meramente declaratória em benefício exclusivo de um cidadão, mas sim de parâmetros para o exercício legítimo da atividade de persecução criminal em favor da subsistência da sociedade. Embora se firme o amplo significado da presunção de inocência, ora regra de tratamento, ora regra de juízo, ora limitador da potestade legislativa, ora condicionador das interpretações jurisprudenciais, o referido princípio, enquanto tratamento dispensado ao suspeito ou acusado antes de sentença condenatória definitiva, tem natureza relativa. 
     A propósito, o termo ‘presunção de inocência’, se analisado absolutamente, levaria ao paroxismo de proibir até mesmo investigações de eventuais suspeitos, sem mencionar a vedação de medidas cautelares constritivas no curso de apurações pré-processuais, ensejando, consequentemente, a inconstitucionalidade de qualquer persecução criminal. Contudo, normativamente, a presunção de inocência não consubstancia regra, mas princípio, que não tem valor absoluto, pelo que, deve ser balizado por outros valores, direitos, liberdades e garantias constitucionais. Por tais razões, o princípio da presunção de inocência deve ser ponderado, a fim de que não se exacerbe a proteção de sujeitos à persecução criminal, em detrimento dos valores mais relevantes para a sociedade. 
     A interpretação do princípio da presunção de inocência deve-se operar em harmonia com os demais dispositivos constitucionais, em especial, os que se relacionam à justiça repressiva. O caráter relativo do princípio da presunção de inocência remete ao campo da prova e à sua capacidade de afastar a permanência da presunção. Há, assim, distinção entre a relativização da presunção de inocência, sem prova, que é inconstitucional, e, com prova, constitucional, baseada em dedução de fatos suportados ainda que por mínima atividade probatória. 
     Disso decorre que não é necessária a reunião de uma determinada quantidade de provas para mitigar os efeitos da presunção de inocência frente aos bens jurídicos superiores da sociedade, a fim de persuadir o julgador acerca de decreto de medidas cautelares, por exemplo; bastando, nesse caso, somente indícios, pois o direito à presunção de inocência não permite calibrar a maior ou menor abundância das provas. 
     Ademais, o princípio da livre convicção motivada remete à livre ponderação dos elementos de prova pelo Judiciário, de um ponto de vista objetivo e racional, a quem corresponde apreciar o seu significado e transcendência, a fim de descaracterizar a inocência, de caráter iuris tantum, ante a culpabilidade. Para se poder afirmar que determinado sujeito praticou um delito, é preciso que se tenha obtido uma prova; que essa obtenção tenha cumprido as formalidades legais e que o julgador haja valorado corretamente a prova. 
     Nem mesmo a Declaração de Direitos pretendeu que a presunção de inocência tivesse valor absoluto, a ponto de inviabilizar qualquer constrangimento à liberdade do indivíduo antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, conforme dispõe, em seu artigo 9º, contrariamente à aplicação de qualquer medida restritiva de liberdade, salvo arbitrárias (Art. 9º – “Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado”). Certo é que a instituição do princípio da presunção de inocência deu-se para atenuar a violação do status libertatis do sujeito, seja como investigado, seja como réu, que, antes, abria margens a formas degradantes de colheita de prova, permitindo-se até mesmo tortura. 
     Se o direito constitucional e processual, ao perseguir determinados fins, admite constrições entre os princípios (a verdade material é restringida pela proibição de prova ilícita), se há elasticidade na própria dignidade humana (como exemplos: mãe, doente terminal que doa seu órgão vital para salvar seu filho; o condenado à morte que renúncia pleitear o indulto; o militar, por razões humanitárias, dispõe-se a realizar missão fatal para salvar a vida de milhares de pessoas), não é menos admissível a restrição do princípio da presunção de inocência, cuja aplicação absoluta inviabilizaria até mesmo o princípio da investigação e da própria segurança pública. 
     Evidencia-se, destarte, a necessária revisão dos “tradicionais conceitos dogmáticos de culpa, culpabilidade e pena, reescrevendo um panorama teórico mais realista e factível, intimamente relacionado às modernas demandas sociais” e o combate à macro criminalidade organizada. 
     Hoje, as relações econômicas tendem a ser impessoais, anônimas e automáticas, possibilitando, por conseguinte, uma criminalidade organizada pautada em aparatos tecnológicos, caracterizada pelo racionalismo, astúcia, diluição de seus efeitos e, assim, a garantia da permanência da organização está na execução de procedimentos de inteligência que minem os operadores do sistema para a persecução e sanção penal. Nesse contexto, as organizações criminosas absorvem agentes públicos, corrompendo ações do Estado. 
     Tratando-se, pois, de crime organizado, a sociedade é duplamente agredida, isto é, verifica-se prejuízo social nefasto oriundo das ações criminosas e prejuízo oriundo das ações artificiais do Estado que, impotente para evitar e prevenir o grave delito, ilude a sociedade com a imagem de eficiência funcional da investigação criminal. Mais grave é a deterioração da própria democracia, porquanto, ao adquirir poder de controle econômico e político, o crime organizado passa a ocupar posições de “autoridades democráticas”. 
     Torna-se, assim, imprescindível recuperar a capacidade de executar adequadamente as penas, porque a ineficácia da persecução penal estatal não se situa na dosagem das penas, mas na incapacidade de aplicá-las. “A regulamentação legal dos fenômenos humanos deve ter em vista a implementação da lei, ou seja, como se dará, concretamente, sua aplicação, circunstância que não tem sido objeto de preocupação frequente de nossos legisladores”. 
      Desse modo, a condenação em segundo grau deve viabilizar o cumprimento das sanções penais, inclusive as privativas de liberdade, ainda que haja recurso extraordinário ou especial ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, tendo, inclusive, essa última Corte já pacificado o entendimento na Súmula 267: “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”. 
     Ademais, no plano internacional, a prisão após a condenação em 2ª instância é admitida nos Estados Unidos da América e países da Europa (França, Alemanha e Portugal). A título de esclarecimento, em Portugal, o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça é de que o arguido preso em situação de prisão preventiva, no momento em que vê a sua situação criminal definida por acórdão condenatório do Supremo, deixa de estar em situação de prisão preventiva para estar em situação análoga à de cumprimento de pena, mesmo que do acórdão condenatório tenha sido interposto recurso, que impeça o trânsito em julgado da decisão condenatória, para o Tribunal Constitucional. Segundo o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de constitucionalidade não tem a natureza de recurso ordinário nem respeita diretamente à decisão que, conhecendo do mérito da causa, ordenou e manteve a prisão, pois é um recurso restrito à matéria de constitucionalidade, não se traduzindo numa declaração de nulidade do acórdão recorrido e, uma vez interposto tal recurso, não há a necessidade da análise de expiração dos prazos da prisão cautelar na data da decisão. 
     Na perspetiva histórica das Cortes brasileiras, a admissibilidade da execução provisória, na verdade, está em consonância com entendimentos anteriores sobre a recepção do artigo 594 do Código de Processo Penal (CPP), que tratava da necessidade do réu ser recolhido à prisão para poder apelar, a não ser que fosse primário e de bons antecedentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça posicionou-se, num primeiro momento, pela recepção do artigo 594 do CPP pela Constituição brasileira de 1988, passando a exigir posteriormente alguns requisitos subsidiários à exigência da prisão para apelar. 
     A edição da Súmula 9 do Superior Tribunal de Justiça brasileiro (“A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência.”) demonstrou claramente o posicionamento jurisprudencial firme quanto à ausência de contradição entre o artigo 594 do CPP e o princípio da presunção de inocência, que podem ser observadas nas decisões abaixo transcritas: 
RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE DE PRÉVIO RECOLHIMENTO A PRISÃO (ART. 594 DO CPP). ALEGAÇÃO DE INCOMPATIBILIDADE DESSA EXIGÊNCIA COM O PRECEITO DO ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO. 
Improcedência dessa alegação já que a prisão provisória processual, como providência ou medida cautelar, está expressamente prevista e permitida pela Constituição em outro inciso do mesmo artigo 5º (inciso LXI). No caso, a prisão decorre de mandado judicial (art. 393, I, do CPP). Primariedade e bons antecedentes são dois requisitos que não se confundem, podendo verificar-se o primeiro e estar ausente o segundo. Recurso de ‘Habeas Corpus’ a que se nega provimento. (STJ, RHC 270/SP – ‪1989/0010264-8, Min. ASSIS TOLEDO, 5ª T., v.u., j. 25.10.1989) 
PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA RECORRÍVEL. EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL.
I – A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível (CPP, Art. 393, I), tanto quanto a prisão do condenado para poder apelar (CPP, Art. 594), é de natureza processual, compatibilizando-se, por isso, com o princípio inscrito no art. 5º, LVII, da Constituição de 1988, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da decisão condenatória. II – O efeito meramente devolutivo dos recursos extraordinário ou especial, pela mesma razão, também não se choca com o princípio constitucional mencionado. III – Pedido indeferido. (STJ, HC 84/SP – ‪1989/0009250-2, Min. CARLOS THIBAU, 6ª T., v.u., J. 31.10.1989) 
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. PRETENSÃO DE AGUARDAR JULGAMENTO DE APELAÇÃO EM LIBERDADE. ART. 594, DO C.P.P. I – O artigo 594, do Código de Processo Penal, que tem o escopo de abrandar o princípio da necessidade do recolhimento à prisão para apelar, só alcança quem, ao tempo da decisão condenatória, esteja em liberdade. Não beneficia aqueles que já se encontram presos provisoriamente, pois, um dos efeitos da sentença condenatória é ser o condenado conservado na prisão (Art. 393, inciso I, C.P.P.). II – Recurso improvido. (STJ, RHC 2995/ES – ‪1993/0023100-6, Min. PEDRO ACIOLI, 6ª T., v.u., J. 21.9.1993). 
     Os julgados sustentam a não revogação da norma processual acima referida diante à presunção de inocência, resguardando a manutenção do status quo estabelecido pelo Código Processual Penal de 1941. Declarou-se assim a compatibilidade entre os princípios consagrados nos incisos LXI e LXVI, ambos do artigo 5º e o artigo 594 do CPP. Vale dizer que a prisão cautelar poderá ser efetuada por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária, quando ausente permissão legal para a liberdade provisória. 
     Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal declarou válido o artigo 594 do CPP frente a Constituição brasileira de 1988, inclusive, frente à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (“Pacto de San José da Costa Rica”), exigindo, assim, a prisão como requisito indispensável ao recurso de apelação. 
PENAL. PROCESSUAL PENAL. “HABEAS CORPUS”. RÉU CONDENADO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO CONFIRMADA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DETERMINAÇÃO NO SENTIDO DA EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO CONTRA O RÉU. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE. C.F., ART. 5., LVII. C.P.P., ART. 594. I. – O direito de recorrer em liberdade refere-se apenas a apelação criminal, não abrangendo os recursos extraordinário e especial, que não tem efeito suspensivo. II. – A presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória – C.F., art. 5º, LVII – não revogou o artigo 594 do C.P.P. III. – Precedentes do STF. IV. – H.C. indeferido. (HC 72741/RS, Min. CARLOS VELLOSO, 2ª T., v.u., J. 1.9.1995) 
EMENTA: HABEAS-CORPUS. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. INDEFERIMENTO. DECISÃO FUNDAMENTADA. ARTIGO 594 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRECEITO NÃO REVOGADO PELO ARTIGO 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1 – Recurso de apelação interposto pelo Ministério Público. Provimento para submeter o paciente a novo julgamento, pelo Júri, sem o direito de recorrer em liberdade. Questão superada pelo advento da sentença condenatória que vedou esse direito em decisão fundamentada.
2 – É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que o artigo 594 do Código de Processo Penal não foi revogado pelo artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, que instituiu o princípio da presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Precedentes. Habeas-Corpus prejudicado. (HC 80548/PE, Min. MAURÍCIO CORREA, 2ª T., v.u., J. 20.2.2001).
   No entanto, o reconhecimento do caráter instrumental da prisão decorrente da sentença condenatória recorrível sofreu novamente malabarismos da doutrina e da jurisprudência brasileira para reconhecê-la como forma excepcional de execução provisória da pena imposta em sentença condenatória, com recurso exclusivo da defesa, para o fim de beneficiar o condenado-preso dos direitos consagrados na Lei de Execução Penal (progressão ou cumprimento inicial em regime aberto ou semi-aberto, livramento condicional, remição da pena pelo trabalho etc.), na “…consideração de que o princípio da presunção de inocência foi, constitucionalmente, articulado para favorecer e, não, para prejudicar o acusado.” Denota-se, neste caso, uma hipótese de antecipação dos efeitos da condenação transitada em julgado, cuja restrição do princípio da presunção de inocência é justificada pelo princípio constitucional do favor rei. 
     O preceito foi trabalhado flexivelmente pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro para favorecer o acusado, conforme se verifica a Súmula 716, que possibilita a progressão de regime de cumprimento de pena ou a aplicação imediata de regime prisional menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. 
   Destaque-se, por fim, que a prisão em 2ª instância também está em consonância com a jurisprudência do próprio STF, com base em outro precedente julgado em 2005 (HC 86.125/SP, Ellen Gracie, DJ: 2/09/05). A partir dessa decisão, pacificou-se no STF o entendimento, no sentido de que com o esgotamento da instância ordinária, que ocorre no Tribunal de segundo grau (tribunais de justiça, TRFs e STM) não corre prescrição da pretensão punitiva, mas inaugura a contagem do prazo de prescrição da pretensão executória da pena. Ressalte-se: só corre o prazo de prescrição executória à medida que é possível executá-la, isto é, a partir da decisão condenatória da 2ª instância. 
    Nessa direção, mais recentemente, vale destacar que o STF, em sede de repercussão geral, ratificou, a adequação da prisão após condenação em 2ª instância: 
EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). ACÓRDÃO PENAL CONDENATÓRIO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA. 1. Em regime de repercussão geral, fica reafirmada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria. (ARE 964246 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 10/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-251 DIVULG 24-11-2016 PUBLIC 25-11-2016 ). 
     Ademais, coerentemente com o afastamento do princípio da presunção de inocência e pelo início da execução da sanção penal depois do julgamento condenatório de 2ª instância, o próprio STF, ao julgar o RE 696533/SC, em 6 de fevereiro de 2018, Relator o Min. Luiz Fux e Redator do acórdão, o Min. Luiz Barroso, determinou que o prazo prescricional da prescrição da pretensão executória conta-se não da data do trânsito em julgado para a acusação (artigo 112, I do Código Penal) , mas sim levando em consideração o esgotamento da instância ordinária, a partir da qual só cabem os recursos extraordinário e especial que não possuem efeito suspensivo. 
     Por todos esses argumentos, nada justifica que o STF revise o que vem decidindo no sentido de que juridicamente adequado à Constituição da República o início do cumprimento da sanção penal a partir da decisão condenatória de 2 ª instância. A mudança da jurisprudência, nesse caso, implicará a liberação de inúmeros condenados, seja por crimes de corrupção, seja por delitos violentos, tais como estupro, roubo, homicídio etc.

Algo no sul equilibra o norte

     Aristóteles formulou a hipótese. A existência do Continente Branco foi demonstrada de maneira irrefutável pela expedição de Lazarev e Bellingshausen em 1820, que consumiu mais de três anos para alcançar a costa da Antártida e tempo semelhante para voltar para casa em Kronstadt. 
     Qualquer lugar do mundo, dependendo do transporte, hoje pode ser alcançado em poucas horas. A despeito da degradação mundial o Continente Branco mantem-se um lugar praticamente intocado. 
     Na Antártida é proibido extrair, bombear, produzir, descarregar, etc... A única terra que não pertence a nenhum país, ainda que os ingleses periodicamente manifestem ambições imperiais no sentido de estender sua soberania sobre parte da Antártida.