Brasil, mundo, natureza e vida

 Arion Louzada

No Brasil há quem assevere que a Covid-19 é arte e engenho de um conluio entre chineses e seres extraterrestres. A assertiva andou recentemente ocupando espaço em jornais e até o Conselho Institucional do Ministério Público Federal brasileiro. Aqui há uma estância de gente graciosa, onde por suposto podem ser encontrados espirituosos de todo gênero. Na contramão da ideia dos ofensores da China, esta grande nação vem de concluir o planejamento para construção de uma sociedade saudável até 2030.

Apesar do tratamento precoce e do conjunto das absurdezas disponíveis, aqui e alhures observa-se o esforço da ciência e de muitos governos em favor da vacinação da humanidade.

Como não assentir que boa parte dos governantes mundiais diligencia por seus povos, ao vacinar a população, bloqueando a disseminação da doença, ainda que isso não seja o bastante, porque cuida-se de contenção e não de prevenção? Admirável a celeridade com que muitas autoridades de saúde e as farmacêuticas, de um modo geral, reagiram à pandemia de Covid-19. A despeito das dificuldades enfrentadas pelos sistemas de saúde também não parece excessivo vislumbrar o controle desta pandemia.

Se o controle da disseminação dos vírus causadores da pandemia de Covid-19 se aproxima, a experiência até aqui recolhida tem que servir para a implementação de programas de prevenção de novas epidemias e pandemias e não somente à contenção. A prevenção implica o estabelecimento de novas relações das pessoas com a natureza. A ação humana não pode continuar provocando efeitos danosos na natureza.   

A corrida atrás de remédios, depois que a doença se instala, não é a melhor política de saúde, para o Brasil ou para qualquer nação. A prevenção é a melhor política. Se existiram e existem bilhões de dólares disponíveis para desenvolver e fabricar vacinas, inverossímil que não possam ser alocados recursos para estancar as fontes de causação de novas pandemias. O mundo todo - e o Brasil muito especialmente - precisa adotar medidas preventivas.

Os governos nacionais e a Organização Mundial da Saúde (OMS) sabem quais são essas medidas, todavia pouco fazem em termos de prevenção. O discurso recorrente das autoridades governamentais e de saúde é no sentido da prevenção das pandemias, mas invariavelmente suas ações concretas não atacam o que as ocasiona.  

A melhor fiscalização sanitária de rebanhos bovinos, suínos e ovinos, um melhor controle da criação aviária e seu comércio, a proibição do comércio de animais selvagens, eis algumas medidas para o ataque às causas das pandemias. Os legisladores, os brasileiros especialmente, precisam majorar as penas cominadas àqueles que devastam florestas. O Judiciário precisa trabalhar com efetividade nessa área. A destruição de florestas permanece conduta nem sempre punida ou punível. A infeliz tradição de corte e queima pode levar a extinção das florestas primitivas brasileiras, como já ocorreu em outros lugares do mundo.

Os incêndios e a devastação da bacia amazônica não podem ser tolerados, em primeiro lugar, pelos brasileiros. Quantos indivíduos estão presos ou cumprindo pena por crimes contra o meio ambiente no Brasil? Nenhum. Povos estrangeiros cobram atitude dos brasileiros diariamente.

Como é possível que em face de condutas criminosas que se sucedem diante dos olhos dos brasileiros, dos nossos olhos, sejamos admoestados por estrangeiros? O que fizemos do nosso brio?

O estímulo à extensão das fronteiras agrícolas mediante desmatamento de florestas é ordinário. Intolerável que se continue a encorajar agricultores brasileiros a isso, o que ocorre quando autoridades ambientais agem com leniência em sua obrigação de fiscalizar, de combater a devastação. Infelizmente não falta quem simule atacar o desmatamento enquanto estimula o crescimento econômico insustentável.

A parte desenvolvida do mundo se ocupa do florestamento em escala faz muito e implementa mudanças na utilização do solo, reduzindo demanda de energia carregada por fósseis. A Alemanha e a Nova Zelândia estão treinando suas vacas para urinar em áreas pré-determinadas. A capacidade de coletar urina desses animais vai reduzir o impacto ambiental da pecuária. Enquanto isso, o Brasil, o gigante agrícola, derruba árvores para plantar braquiária.  

A febre suína africana, que hoje infesta todos os seis continentes, pode bater à porta brasileira a qualquer momento. No Caribe, a República Dominicana está abatendo dezenas de milhares de porcos. Os animais selvagens que sobrevivem às queimadas e destruição de florestas no Brasil e nos demais países da Amazônia ou no Caribe, na República Dominicana, transmitem às aves e aos rebanhos ovinos, suínos, bovinos e aos humanos vírus e doenças que a ciência, não raro, sequer suspeita ou conhece. Essa é questão de domínio público no ambiente científico.

 A Universidade de Harvard vem de constituir uma força-tarefa composta por especialistas de vários países e que deverá elaborar um plano de prevenção a ser entregue por Aaron Bernstein, a personalidades globais, para defesa. Paralelamente, a Organização das Nações Unidas (ONU) precisa reclamar de seus países membros a implementação de programas que evitem a contaminação de seres humanos, rebanhos e animais domésticos por vírus de animais selvagens.  

Em toda essa disciplina espanta a OMS sequer ter mencionado a transmissão de vírus por animais, quando asseverava que a pandemia de Covid-19 teria poupado milhões de vidas humanas se houvesse o mundo reagido rapidamente. Então, a OMS somente declarou a emergência da Covid-19 no final de janeiro de 2020, por quê? E ainda hoje, como denuncia Ziyad Al-Aly, diretor do Centro de Epidemiologia Clínica do Veterans Affairs St. Louis Health Care System, a OMS não reconhece o desenvolvimento de novas doenças metabólicas e cardiovasculares pelas ramificações de longo prazo da Covid-19 e suas implicações na qualidade e expectativa de vida das pessoas. Anomalias geradas pela Covid-19, segundo estudo relevante, se prolongam para além dos primeiros períodos da doença e mesmo quem não esteve hospitalizado está sujeito a desenvolver coágulos sanguíneos e insuficiência cardíaca.  

O Brasil contabiliza nestes dias 14,7 milhões de desempregados, inflação galopante, hospitais públicos sucateados e mais de 600 mil de seus nacionais mortos por Covid-19. Ainda assim segue corrente no paradouro dos graciosos a piada lúgubre de que vacinas podem transformar pessoas em crocodilos. Somos uns pândegos. Talvez não seja mais momento disso, mas de perceber-se que o tempo é de perspectiva de pandemias, assim, no plural, porque o meio ambiente foi e segue negligenciado.

A Nação precisa assumir seriamente responsabilidades com a correção do desequilíbrio ambiental e reclamar da comunidade científica nacional pesquisas inovadoras capazes de conduzir à produção de um ecossistema de saúde compatível com a extensão e complexidade do país mais importante da América do Sul.    

Nuvens de poeira acompanhadas de ventanias jamais vistas cobriram, recentemente, de um momento para outro, centros urbanos do estado de São Paulo, as cidades de Pirassununga, Ribeirão Preto, Barretos, Batatais, São Joaquim da Barra, Sertãozinho, Brodowski e outras. Também recentemente tempestades atingiram o Estado do Mato Grosso do Sul causando danos imensos. Em Corumbá, incêndios florestais seguem frequentes, especialmente no Pantanal.

Mais de 40 mil casas ficaram sem energia elétrica no Paraná por causa das tempestades neste mês de outubro de 2021. Alguns rios brasileiros estão secando. O aumento e a oscilação de temperatura combinados com chuvas e inundações e secas cada vez mais demoradas em determinadas áreas do Brasil impacta a produção natural de água. A crise hídrica é o problema do dia.  

Não podemos seguir maltratando a natureza. Não se pode mais, sob pena de graves consequências, deixar de observar a ameaça que paira sobre a saúde humana, animal e ambiental. Na Amazônia nacional, que engloba vários estados federados, mais de mil quilômetros quadrados de floresta tropical foram desmatados somente no mês de maio de 2021, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Não causa estranhamento que esteja chovendo menos na Amazônia. Estudo recentemente publicado pela Nature Communications constata que, em imensas extensões, a floresta tropical amazônica virou savana. A comunidade científica estima que há ao redor de 100 bilhões de toneladas de carbono armazenadas na floresta tropical o que faz com que a Amazônia seja fundamental para a melhoria do clima não somente no Brasil, mas no planeta. Como não compreender que os estrangeiros também estejam preocupados?

Não existem organizações internacionais tratando especificamente o problema do desmatamento. Cada país precisa cuidar individualmente. O Brasil precisa agir individualmente. Se o país não atuar fortemente contra o desmatamento das florestas a meta do Tratado de Paris, de limitação do aquecimento global não será alcançada. A Organização Mundial para a Saúde Animal, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e mesmo a OMS não cuidam de desmatamento. O Brasil precisa cuidar disso. Com seriedade. Com política pública e fiscalização efetiva. Com atuação efetiva dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

As vacinas disponíveis e os medicamentos que estão sendo desenvolvidos visam o ataque às doenças atuais, mas é urgente também cuidar de prevenir novas pandemias e isso somente será possível prevenindo a propagação de vírus.

O Brasil se aplica em prestar atendimento médico, ministrar remédios e aplicar vacinas, sim, mas mais do que isso é importante também investir agora na prevenção fazendo com que a população e o estamento científico se voltem firmemente para a interação saúde humana e meio ambiente.

O país carece de mais bancos de dados, reunir os dados disponíveis, mas ademais disso, fazer com que esses dados se transformem em informações úteis à ação de organismos responsáveis. A adoção e o desenvolvimento de novas tecnologias em saúde carecem de prioridade no rol das reivindicações da sociedade organizada. 

Se as pandemias se avolumarem as vacinas e drogas afins, que seguem sendo produzidas, talvez não sejam de todo úteis, porque a transmissão poderá ocorrer em velocidade impossível de controlar. A alternativa, então, é repensar o modo como nos relacionamos com a natureza, com esse mundo natural constituído por tudo quanto existe independentemente do homem e cuidarmos melhor desse complexo de condições que nos abraça e alimenta todos os seres vivos.