A distância como manifestação de cuidado

Arion Louzada
A distância precisa ser um modo de conduta, uma manifestação de cuidado e de respeito pelo semelhante, nestes dias.
A resistência contra o coronavírus é um dever de todos os brasileiros. A urbanidade, a amizade, o parentesco e toda convivência social têm que ser anteriores à proximidade física e desafiam a nossa capacidade de sermos solidários, em uma solidariedade não individualista, mas comunitária.   
A distância é a única maneira de evitarmos a rápida propagação do coronavírus.
As universidades do mundo todo, os grandes centros de pesquisa e seus cientistas necessitam de tempo até que logrem sintetizar uma vacina segura e medicação de ataque aos sintomas do COVID-19.
Testes iniciais com algumas vacinas, em seres humanos, estão em andamento. Vários testes adicionais são necessários para aprovação da utilização dessas vacinas. Segundo estimativas confiáveis, isso pode levar pelo menos um ano. A presidente da Comissão da União Europeia, Ursula von der Leyen, aguarda que uma vacina contra o COVID-19 esteja disponível em poucos meses. Mas, como dizem os alemães, a Schlimmer geht immer, não há nada ruim que não possa piorar. No mundo beira um bilhão de crianças fora das salas de aula. Então, temos que ter cuidado e esperar, porque nesta crise a situação se altera a cada minuto.
Imagem: reprodução de ilustração de James Melaugh / The Observer
Se nos afastarmos uns dos outros, a propagação do vírus será mais lenta. Se ocorrer o decurso de um lapso temporal maior, disso é razoável inferir que os infectados mais tardiamente terão a chance de receber proteção melhor dos sistemas de saúde.
País subdesenvolvido, o Brasil não conta com um sistema de saúde de excelência. Sistemas de saúde de excelência têm a Alemanha, a Suíça e a Inglaterra, por exemplo, mas nem mesmo estes países se declaram preparados para uma explosão de contaminação com o COVID-19 de seus nacionais. O Brasil tem o Sistema Único de Saúde (SUS) e o sistema privado de atenção à saúde, ambos muito precários. O sistema brasileiro de atenção à saúde é compatível com o estágio de desenvolvimento econômico do país.
A situação de potência econômica não é garante de sistema de proteção à saúde eficiente, ao ponto de suportar imensa demanda. Em situação talvez tão delicada quanto a do Brasil se encontra a população dos EUA, onde inexiste qualquer proteção que se possa sequer comparar com o SUS brasileiro, para pronto atendimento das populações vulneráveis. Isso, sem levar-se em conta a deplorável condição dos sistemas de saúde da absoluta maioria dos demais países americanos.
Nenhuma aproximação entre as pessoas aqui no Brasil é uma impossibilidade, porque da atividade econômica depende a vida de todos que aqui estão. Mas, ao máximo, precisamos limitar o risco de uma pessoa infectar outra e isso implica a imposição de auto restrições, às quais não estamos acostumados e que contrastam com o jeito caloroso de todos nós brasileiros, admirado no concerto da comunidade internacional dos povos.  
Ao tempo em que o Ministério da Economia do Brasil adota medidas para aliviar o impacto econômico da crise inevitável - das ameaças de falências de muitas firmas -, buscando preservar empregos, a todos nós brasileiros a prudência se impõe no sentido de evitarmos ao máximo o contato físico com outras pessoas, mas particularmente com pessoas idosas, porque estas se encontram em situação de mais alto risco.
Aqueles que desfrutam de confortável situação financeira, não devem levar para casa o estoque inteiro de qualquer bem-de-consumo-constante-da-população que encontre no mercadinho ou no supermercado. Não podemos fazer do corona-vírus também uma emergência econômica. Se não houver desespero no consumo o fornecimento de gêneros alimentícios não sofrerá escassez. A participação comunitária no enfrentamento desta crise exibirá ao resto do mundo nosso espírito como povo, como nação.
Não nos assiste qualquer direito à irresponsabilidade. Ainda que esta seja uma época sem precedentes, impossível que não vençamos a luta contra o corona-vírus, se em lugar do individualismo, do consumismo exacerbado, abraçarmos fortemente a participação compartilhada, com base na sensatez, na razoabilidade.     

O mercado não se deixa à toa

Arion Louzada

        A determinação do impacto econômico da disseminação mundial do corona-vírus sobre a economia brasileira não é simples. Prejuízos econômicos decorrem da só incerteza sobre as perspectivas. Mais do que medidas fiscais e econômicas do governo, ao Banco Central do Brasil impõe-se manejar com prontidão políticas adequadas de estabilidade monetária e financeira.
As mais sólidas democracias estão sujeitas a suportar impactos severos por decorrência de desatenções com a vigilância do capitalismo.    
A volatilidade do mercado de ações, nestes dias, tem crescido na Bovespa e nas bolsas do resto do mundo, assustadoramente.
O Brasil é um mercado de alta renda para investidores de todo mundo, mas segue sendo um emergente, uma economia em desenvolvimento, eufemismo para país subdesenvolvido. O barco com os ativos alocados em mercados como o brasileiro encontra-se sob risco e tende a migrar para estâncias mais seguras, como a economia americana, por exemplo, ainda que com rendimentos irrisórios, sempre que as águas turvam.  
No trade off maior ganho versus segurança - presente o corona-vírus -, robustos investidores tendem a voltar-se para a segunda alternativa, mesmo que o custo da oportunidade lhes seja significativo: mais vale um pássaro na mão do que dois voando. E quando o noticiário assusta, até o conceito de margem é negligenciado. A mão invisível não soluciona nada.
As empresas sofrem com custos mais altos de financiamento quando exploram o mercado de ações e títulos. O arroxo financeiro inevitavelmente aciona o freio da economia. A insegurança financeira leva o consumidor a reduzir o consumo e isso fará com que as empresas faturem menos e parem de investir.
Este mês de março de 2020 é um momento de ouro da política monetária brasileira, a hora do Banco Central do Brasil. Ainda que a taxa de inflação não seja a de equilíbrio, não há outra alternativa senão injetar mais liquidez na economia, reduzindo taxas de juros.
Somente a alta liquidez da economia brasileira é capaz de reverter os apertos financeiros, inevitáveis com a crise econômica internacional derivada do impacto do corona-vírus e da redução dos preços do petróleo.
A autoridade econômica tem que estar atenta para reprimir qualquer ação obtusa dos gestores de ativos e em fundos negociados na Bovespa. Certas complacências ofendem a natureza do sistema de vigilância do capitalismo.
Os bancos privados brasileiros não inspiram cuidados, dada sua liquidez, solidez de capital, robustez. A redução eventual nos preços de suas ações significa pouco. Já deveriam estar - não estão -, oferecendo condições melhores nos contratos de empréstimo para os tomadores mais afetados pela crise. A vigilância do Banco Central deve melhorar os óculos ao examinar a atuação de Itaú, Bradesco e Santander. Já que ostentam a maior rentabilidade do planeta, no conjunto da banca, deles parece justo reclamar alguma compensação pela fração da exorbitância dos últimos anos. Esses têm o dever de oferecer empréstimos melhores e com menores taxas de juros.  
A hora é de aninhar a liquidez na economia dentro da política monetária do governo, com atenção às recorrências do mercado, que não pode ser deixado à toa. A ideia de economia de mercado não é excludente de estímulos e regulação.   

O barco verde-amarelo e o coronavírus

Arion Louzada

      Quando a roda do leme ao capitão parece quadrada não troque o timão, essa provavelmente não é a melhor providência.  
A tarefa do Ministério da Economia, no Brasil, é uma das mais importantes atribuídas a um órgão público. Ele deve andar no encalço de metas econômicas de estabilidade de preços e máximo emprego, orientando o gerenciamento do sistema de dinheiro e crédito do país, a ser executado pelo Banco Central do Brasil. Ademais de outras obrigações que lhe estão atribuídas pela lei.
Do Ministério da Economia a nação espera a estabilidade de preços, que se pode traduzir por ausência de inflação ou deflação.  
Inflação é o aumento generalizado de preços dos produtos e/ou serviços em um determinado lapso de tempo. A principal característica da inflação é a diminuição no poder de compra do consumidor.
Deflação é o processo inverso: a queda de preços constante e generalizada dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores. A taxa de inflação é negativa. Ainda que isso pareça bom para os consumidores, pode causar danos à economia. Deflação não é o mesmo que desinflação. Desinflação é uma diminuição da taxa de inflação – por exemplo, de 3,5% para 2% - a taxa de inflação fica um pouco menor do que antes.
A desinflação é saudável, mas inflação e deflação não são saudáveis. À toda evidência, não falta quem discorde disso.
Quando a inflação é baixa a economia anda bem. Observe-se o Brasil destes dias. Se pensarmos em um mar agitado, como por regra é o mar da economia, o Brasil destes dias é um transatlântico que navega seguindo um mapa científico de navegação. Com inflação baixa as taxas de juros tendem a ser baixas.
Com taxas de juros baixas as empresas obtêm financiamentos mais baratos, para se expandir e contratar novos trabalhadores. As taxas de desemprego diminuem. Os discursos inflamados e inflamáveis dos demagogos diluem-se no meta-marxismo.
No Brasil, como em qualquer economia em equilíbrio, produtores e consumidores se sentem confiantes para produzir e consumir mais, ausente o desassossego decorrente da inflação alta ou variável em demasia.
A manutenção de preços estáveis implica não somente o controle do nível das taxas de juros, mas também o nível de reservas dos bancos e o montante de dinheiro circulando na economia.
Tempo todo o Ministério da Economia e o Banco Central medem os efeitos da política econômica sobre o conjunto da população. Essa é uma de suas relevantes tarefas. 
Uma meta de longo prazo para a inflação à taxa baixa se revelará saudável se ocorrer uma média de taxa baixa em longo prazo.
Inflação baixa e constante ao ano por muitos anos aponta para inflação baixa futura; disso resulta que todo brasileiro, consumidor, empresário ou trabalhador poderia planejar com tranquilidade os seus dias, do ponto de vista econômico. Fosse a inflação 5% neste ano, 4 % no próximo e 15% no seguinte, bem difícil se tornaria a tarefa de decidirmos, você e eu, como consumir, investir ou economizar.
O Banco Central usa ferramentas monetárias para impulsionar a economia quando ela enfraquece, como por exemplo fez recentemente com venda de dólares das reservas brasileiras. Um dos principais instrumentos do país contra choques externos na economia são essas reservas, atualmente de US$ 361 bilhões, aproximadamente.
Máximo emprego é o nível em que o desemprego - aquele que aumenta durante as crises econômicas -, é eliminado.
A obtenção ou manutenção de máximo emprego e inflação baixa é meta impossível de ser alcançada, qualquer que seja o esforço de bons economistas, a quem a Nação confie a condução da economia brasileira.  
Se o Brasil tentasse reduzir o desemprego continuamente, pressionando mais e mais as taxas de juros, os consumidores tomariam emprestado quantidades crescentes de dinheiro para a compra de automóveis, geladeiras, apartamentos, lazer, eteceteras à vontade; a demanda excessiva produz escassez e esta aumento de preços. O governo perderia o controle da inflação.
Se Ministério da Economia e Banco Central, por outro lado, não permitissem a expansão de oferta monetária, preocupados com a inflação, os consumidores comprariam menos e as empresas atuais esqueceriam quaisquer planos de expansão e novos empreendimentos deixariam de surgir. Inexoravelmente, o desemprego aumentaria (porque pessoas seguem nascendo e muitas alcançando a idade em que tem de prover seu próprio sustento, por meio de algum trabalho).
Por isso que o trabalho de gestão da economia brasileira é uma espécie de jogo de aperta e afrouxa.
Com a epidemia do Corona-vírus a bater em nossas portas, a saúde das pessoas e a economia das nações sob risco, aqui no Brasil, o Ministério da Economia e o Banco Central brasileiros podem fazer o quê? Eles podem manter a nau verde-amarela da economia navegando. A economia brasileira poderá ultrapassar a tempestade e seguir em bom curso, navegando em segurança, se o capitão do transatlântico não reclamar a roda do leme.