A Petrobras e uma nova era

Arion Louzada 

De um modo geral, nada leva a crer que o consumo de petróleo venha a aumentar nos próximos anos, no Brasil e pelo resto do mundo. A Petrobras precisa estar atenta a isso e corrigir o padrão de seus investimentos.

Não é mais possível imaginar a economia e a qualidade de vida da população de qualquer grande país dependente em futuro próximo de somente uma fonte de energia.

Assim como o carvão foi substituído pelo petróleo como principal fonte de geração de energia, no século XX, no Brasil e em todo planeta, neste século XXI, o ouro negro inevitavelmente será arredado para posição um pouco menos relevante, com o significativo aumento de demanda por energias solar, eólica, nuclear e hidrogênio.  

Não parece exercício de prestidigitação concluir que em meados deste século os consumidores, em países desenvolvidos, decidirão pela fonte de energia em razão de sua conveniência. Isso será bom e inevitavelmente, em algum momento, o Brasil e todo o universo das nações conhecerá tal progresso.   

Especialistas da British Petroleum, no relatório World Energy Outlook, imaginam as emissões de CO² despencando até 70% já em 2050 e o aquecimento global reduzido a pouco mais de 1 grau Celsius, antes do final deste século.

A depender de uma política climática ambiciosa a ser abraçada pelas grandes potências mundiais, até 2050, a demanda global de petróleo pode cair dos atuais 100 milhões de barris para a metade disso.

A eletro-mobilidade é tendência inafastável. Os veículos elétricos podem substituir mais de 80% dos carros particulares até 2050, segundo o World Energy Outlook.

O crescimento na produção de energias renováveis no Brasil precisa aumentar o ritmo. 

A geração de energia nuclear na China cresce espetacularmente, porque a demanda segue crescente.

A British Petroleum inglesa está se reinventando. Até 2030, a companhia quer reduzir a produção de petróleo e gás em 40%.

A Petrobras precisa se reinventar também. Saqueada por políticos corruptos, recuperando-se da maior roubalheira já perpetrada contra uma empresa petrolífera internacional, este é o momento de a Petrobras rever estratégias, focar na perspectiva das mudanças de mercado que se avizinham em desfavor do petróleo e em benefício das energias alternativas e dos consumidores de um modo geral. 

Vida sem trabalho é distopia

Arion Louzada

A fome pode ser o próximo desafio da crise mundial do corona-vírus. Não poucos estados nacionais poderão ver-se diante da opção macabra de preservar vidas ou meios de subsistência; salvar as pessoas do corona-vírus apenas para que passem fome.
Mais de dois milhões de pessoas estão infectadas com o corona-vírus; centenas de milhões se sentem ameaçadas.
A partir do agravamento da pandemia do corona-vírus no Brasil milhares de pessoas procuram pelos benefícios de desemprego. Diariamente cresce o número de requerentes.
Nos meses de março e abril cerca de 3,5 milhões de brasileiros perderam o emprego – involução do mercado de trabalho jamais experimentada em tão curto espaço de tempo.
Impossível precisar o número exato de desempregados no país, neste início de maio de 2020, porque as estatísticas não conseguem acompanhar a velocidade das perdas de emprego. Simultaneamente à perda de emprego, milhares de brasileiros perdem seu seguro saúde ou não mais conseguem pagá-lo como decorrência do desemprego.
Um incontável número de indústrias e lojas seguirão fechadas neste mês de maio. A última reforma trabalhista tornou mais fácil as demissões no Brasil. Os empregados dessas empresas fechadas irão atrás dos benefícios de desemprego.
Quase R$ 1 trilhão está sendo injetado pelo Estado, por meio de pacotes de estímulos, na economia em frangalhos. Em esforço pela contenção do crescimento do desemprego parte desse dinheiro substituirá custos salariais suportados por firmas pequenas e médias. Que ninguém superestime o auxílio estatal nesta crise econômica relacionada ao corona-vírus. O Estado não tem como pagar tudo; só dispõe para gastar em ajuda e benefícios sociais o quanto é arrecadado.
Até meados de janeiro projetava-se crescimento econômico para 2020 de mais de 2%; a disseminação da pandemia desde o início de março destruiu a perspectiva e agora seguimos rumo à recessão. A produção econômica brasileira despenca.
O Brasil pranteia mais de 6 mil mortes de seus nacionais, acometidos da doença pulmonar COVID-19. 
Em Brasília, hoje, enfermeiros realizam protesto, com máscaras de proteção ao rosto e cruzes nas mãos. A morte de profissionais de saúde, decorrente da precariedade hospitalar do país, segue crescente. Nos corredores dos hospitais brasileiros médicos e enfermeiros exaustos.
 Em São Paulo, o Vale do Anhangabaú, a Paulista e o Campo de Bagatelle não têm atos nem de comemoração nem de protestos, neste 1º de maio. Este é um 1º de maio cinzento.
O Brasil é um país vulnerável. Neste dia 1º de Maio de 2020 não é possível deixar de refletir sobre os impactos econômicos da pandemia sobre os trabalhadores.
Ainda que ninguém saiba com segurança o que acontecerá nos próximos dias, no Brasil e no mundo, é certo que as doenças e as restrições de liberdade de movimentos reduzem o trabalho em todos os setores de produção e isso redunda em aumento generalizado de preços, especialmente dos alimentos.
O trabalho é a nossa vida. A quem quer que cultive o sentimento de controle não fará mal sujeitar suas utopias ao escrutínio da realidade.

A distância como manifestação de cuidado

Arion Louzada
A distância precisa ser um modo de conduta, uma manifestação de cuidado e de respeito pelo semelhante, nestes dias.
A resistência contra o coronavírus é um dever de todos os brasileiros. A urbanidade, a amizade, o parentesco e toda convivência social têm que ser anteriores à proximidade física e desafiam a nossa capacidade de sermos solidários, em uma solidariedade não individualista, mas comunitária.   
A distância é a única maneira de evitarmos a rápida propagação do coronavírus.
As universidades do mundo todo, os grandes centros de pesquisa e seus cientistas necessitam de tempo até que logrem sintetizar uma vacina segura e medicação de ataque aos sintomas do COVID-19.
Testes iniciais com algumas vacinas, em seres humanos, estão em andamento. Vários testes adicionais são necessários para aprovação da utilização dessas vacinas. Segundo estimativas confiáveis, isso pode levar pelo menos um ano. A presidente da Comissão da União Europeia, Ursula von der Leyen, aguarda que uma vacina contra o COVID-19 esteja disponível em poucos meses. Mas, como dizem os alemães, a Schlimmer geht immer, não há nada ruim que não possa piorar. No mundo beira um bilhão de crianças fora das salas de aula. Então, temos que ter cuidado e esperar, porque nesta crise a situação se altera a cada minuto.
Imagem: reprodução de ilustração de James Melaugh / The Observer
Se nos afastarmos uns dos outros, a propagação do vírus será mais lenta. Se ocorrer o decurso de um lapso temporal maior, disso é razoável inferir que os infectados mais tardiamente terão a chance de receber proteção melhor dos sistemas de saúde.
País subdesenvolvido, o Brasil não conta com um sistema de saúde de excelência. Sistemas de saúde de excelência têm a Alemanha, a Suíça e a Inglaterra, por exemplo, mas nem mesmo estes países se declaram preparados para uma explosão de contaminação com o COVID-19 de seus nacionais. O Brasil tem o Sistema Único de Saúde (SUS) e o sistema privado de atenção à saúde, ambos muito precários. O sistema brasileiro de atenção à saúde é compatível com o estágio de desenvolvimento econômico do país.
A situação de potência econômica não é garante de sistema de proteção à saúde eficiente, ao ponto de suportar imensa demanda. Em situação talvez tão delicada quanto a do Brasil se encontra a população dos EUA, onde inexiste qualquer proteção que se possa sequer comparar com o SUS brasileiro, para pronto atendimento das populações vulneráveis. Isso, sem levar-se em conta a deplorável condição dos sistemas de saúde da absoluta maioria dos demais países americanos.
Nenhuma aproximação entre as pessoas aqui no Brasil é uma impossibilidade, porque da atividade econômica depende a vida de todos que aqui estão. Mas, ao máximo, precisamos limitar o risco de uma pessoa infectar outra e isso implica a imposição de auto restrições, às quais não estamos acostumados e que contrastam com o jeito caloroso de todos nós brasileiros, admirado no concerto da comunidade internacional dos povos.  
Ao tempo em que o Ministério da Economia do Brasil adota medidas para aliviar o impacto econômico da crise inevitável - das ameaças de falências de muitas firmas -, buscando preservar empregos, a todos nós brasileiros a prudência se impõe no sentido de evitarmos ao máximo o contato físico com outras pessoas, mas particularmente com pessoas idosas, porque estas se encontram em situação de mais alto risco.
Aqueles que desfrutam de confortável situação financeira, não devem levar para casa o estoque inteiro de qualquer bem-de-consumo-constante-da-população que encontre no mercadinho ou no supermercado. Não podemos fazer do corona-vírus também uma emergência econômica. Se não houver desespero no consumo o fornecimento de gêneros alimentícios não sofrerá escassez. A participação comunitária no enfrentamento desta crise exibirá ao resto do mundo nosso espírito como povo, como nação.
Não nos assiste qualquer direito à irresponsabilidade. Ainda que esta seja uma época sem precedentes, impossível que não vençamos a luta contra o corona-vírus, se em lugar do individualismo, do consumismo exacerbado, abraçarmos fortemente a participação compartilhada, com base na sensatez, na razoabilidade.     

O mercado não se deixa à toa

Arion Louzada

        A determinação do impacto econômico da disseminação mundial do corona-vírus sobre a economia brasileira não é simples. Prejuízos econômicos decorrem da só incerteza sobre as perspectivas. Mais do que medidas fiscais e econômicas do governo, ao Banco Central do Brasil impõe-se manejar com prontidão políticas adequadas de estabilidade monetária e financeira.
As mais sólidas democracias estão sujeitas a suportar impactos severos por decorrência de desatenções com a vigilância do capitalismo.    
A volatilidade do mercado de ações, nestes dias, tem crescido na Bovespa e nas bolsas do resto do mundo, assustadoramente.
O Brasil é um mercado de alta renda para investidores de todo mundo, mas segue sendo um emergente, uma economia em desenvolvimento, eufemismo para país subdesenvolvido. O barco com os ativos alocados em mercados como o brasileiro encontra-se sob risco e tende a migrar para estâncias mais seguras, como a economia americana, por exemplo, ainda que com rendimentos irrisórios, sempre que as águas turvam.  
No trade off maior ganho versus segurança - presente o corona-vírus -, robustos investidores tendem a voltar-se para a segunda alternativa, mesmo que o custo da oportunidade lhes seja significativo: mais vale um pássaro na mão do que dois voando. E quando o noticiário assusta, até o conceito de margem é negligenciado. A mão invisível não soluciona nada.
As empresas sofrem com custos mais altos de financiamento quando exploram o mercado de ações e títulos. O arroxo financeiro inevitavelmente aciona o freio da economia. A insegurança financeira leva o consumidor a reduzir o consumo e isso fará com que as empresas faturem menos e parem de investir.
Este mês de março de 2020 é um momento de ouro da política monetária brasileira, a hora do Banco Central do Brasil. Ainda que a taxa de inflação não seja a de equilíbrio, não há outra alternativa senão injetar mais liquidez na economia, reduzindo taxas de juros.
Somente a alta liquidez da economia brasileira é capaz de reverter os apertos financeiros, inevitáveis com a crise econômica internacional derivada do impacto do corona-vírus e da redução dos preços do petróleo.
A autoridade econômica tem que estar atenta para reprimir qualquer ação obtusa dos gestores de ativos e em fundos negociados na Bovespa. Certas complacências ofendem a natureza do sistema de vigilância do capitalismo.
Os bancos privados brasileiros não inspiram cuidados, dada sua liquidez, solidez de capital, robustez. A redução eventual nos preços de suas ações significa pouco. Já deveriam estar - não estão -, oferecendo condições melhores nos contratos de empréstimo para os tomadores mais afetados pela crise. A vigilância do Banco Central deve melhorar os óculos ao examinar a atuação de Itaú, Bradesco e Santander. Já que ostentam a maior rentabilidade do planeta, no conjunto da banca, deles parece justo reclamar alguma compensação pela fração da exorbitância dos últimos anos. Esses têm o dever de oferecer empréstimos melhores e com menores taxas de juros.  
A hora é de aninhar a liquidez na economia dentro da política monetária do governo, com atenção às recorrências do mercado, que não pode ser deixado à toa. A ideia de economia de mercado não é excludente de estímulos e regulação.   

O barco verde-amarelo e o coronavírus

Arion Louzada

      Quando a roda do leme ao capitão parece quadrada não troque o timão, essa provavelmente não é a melhor providência.  
A tarefa do Ministério da Economia, no Brasil, é uma das mais importantes atribuídas a um órgão público. Ele deve andar no encalço de metas econômicas de estabilidade de preços e máximo emprego, orientando o gerenciamento do sistema de dinheiro e crédito do país, a ser executado pelo Banco Central do Brasil. Ademais de outras obrigações que lhe estão atribuídas pela lei.
Do Ministério da Economia a nação espera a estabilidade de preços, que se pode traduzir por ausência de inflação ou deflação.  
Inflação é o aumento generalizado de preços dos produtos e/ou serviços em um determinado lapso de tempo. A principal característica da inflação é a diminuição no poder de compra do consumidor.
Deflação é o processo inverso: a queda de preços constante e generalizada dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores. A taxa de inflação é negativa. Ainda que isso pareça bom para os consumidores, pode causar danos à economia. Deflação não é o mesmo que desinflação. Desinflação é uma diminuição da taxa de inflação – por exemplo, de 3,5% para 2% - a taxa de inflação fica um pouco menor do que antes.
A desinflação é saudável, mas inflação e deflação não são saudáveis. À toda evidência, não falta quem discorde disso.
Quando a inflação é baixa a economia anda bem. Observe-se o Brasil destes dias. Se pensarmos em um mar agitado, como por regra é o mar da economia, o Brasil destes dias é um transatlântico que navega seguindo um mapa científico de navegação. Com inflação baixa as taxas de juros tendem a ser baixas.
Com taxas de juros baixas as empresas obtêm financiamentos mais baratos, para se expandir e contratar novos trabalhadores. As taxas de desemprego diminuem. Os discursos inflamados e inflamáveis dos demagogos diluem-se no meta-marxismo.
No Brasil, como em qualquer economia em equilíbrio, produtores e consumidores se sentem confiantes para produzir e consumir mais, ausente o desassossego decorrente da inflação alta ou variável em demasia.
A manutenção de preços estáveis implica não somente o controle do nível das taxas de juros, mas também o nível de reservas dos bancos e o montante de dinheiro circulando na economia.
Tempo todo o Ministério da Economia e o Banco Central medem os efeitos da política econômica sobre o conjunto da população. Essa é uma de suas relevantes tarefas. 
Uma meta de longo prazo para a inflação à taxa baixa se revelará saudável se ocorrer uma média de taxa baixa em longo prazo.
Inflação baixa e constante ao ano por muitos anos aponta para inflação baixa futura; disso resulta que todo brasileiro, consumidor, empresário ou trabalhador poderia planejar com tranquilidade os seus dias, do ponto de vista econômico. Fosse a inflação 5% neste ano, 4 % no próximo e 15% no seguinte, bem difícil se tornaria a tarefa de decidirmos, você e eu, como consumir, investir ou economizar.
O Banco Central usa ferramentas monetárias para impulsionar a economia quando ela enfraquece, como por exemplo fez recentemente com venda de dólares das reservas brasileiras. Um dos principais instrumentos do país contra choques externos na economia são essas reservas, atualmente de US$ 361 bilhões, aproximadamente.
Máximo emprego é o nível em que o desemprego - aquele que aumenta durante as crises econômicas -, é eliminado.
A obtenção ou manutenção de máximo emprego e inflação baixa é meta impossível de ser alcançada, qualquer que seja o esforço de bons economistas, a quem a Nação confie a condução da economia brasileira.  
Se o Brasil tentasse reduzir o desemprego continuamente, pressionando mais e mais as taxas de juros, os consumidores tomariam emprestado quantidades crescentes de dinheiro para a compra de automóveis, geladeiras, apartamentos, lazer, eteceteras à vontade; a demanda excessiva produz escassez e esta aumento de preços. O governo perderia o controle da inflação.
Se Ministério da Economia e Banco Central, por outro lado, não permitissem a expansão de oferta monetária, preocupados com a inflação, os consumidores comprariam menos e as empresas atuais esqueceriam quaisquer planos de expansão e novos empreendimentos deixariam de surgir. Inexoravelmente, o desemprego aumentaria (porque pessoas seguem nascendo e muitas alcançando a idade em que tem de prover seu próprio sustento, por meio de algum trabalho).
Por isso que o trabalho de gestão da economia brasileira é uma espécie de jogo de aperta e afrouxa.
Com a epidemia do Corona-vírus a bater em nossas portas, a saúde das pessoas e a economia das nações sob risco, aqui no Brasil, o Ministério da Economia e o Banco Central brasileiros podem fazer o quê? Eles podem manter a nau verde-amarela da economia navegando. A economia brasileira poderá ultrapassar a tempestade e seguir em bom curso, navegando em segurança, se o capitão do transatlântico não reclamar a roda do leme.

Bashir deve ser julgado em Haia


    O Sudão precisa ser reintegrado à comunidade internacional dos povos. Cerca de 2,7 milhões de sudaneses foram deslocados e aproximadamente 400 mil foram mortos, em três décadas, sob o regime de Omar al-Bashir. Não basta a condenação e prisão de Bashir, por corrupção, em Cartum. 
    Um advogado de Bashir declarou à Reuters recentemente que ele se recusaria a negociar com o Tribunal Penal Internacional (TPI) por ser este um tribunal político. Ora, ora. Tribunais políticos são os tribunais ad-hoc e esse não é o caso do TPI. Tribunais não negociam com infratores, os julgam, simplesmente. O TPI é um órgão judiciário altamente respeitável, nascido do consenso de 120 Estados soberanos. 
  Se o novo governo do Sudão aguarda com sinceridade a reintegração do país à comunidade internacional deve entregar imediatamente Omar al-Bashir ao Tribunal Penal Internacional. Há provas robustas e irrefutáveis contra o genocida e sua gangue. 
    Para que o Sudão não mais seja visto como um Estado que chancela o terrorismo, seus novos governantes têm que entregar Bashir ao Tribunal Penal Internacional da Haia, mas não só ele, também o séquito de criminosos que executaram suas ordens macabras.    

Com Isabel Dos Santos, nós angolanos desenvolvemos síndrome de Estocolmo

Cláudio Silva
The Guardian

Antes do Luanda Leaks, questionamos de onde vinha sua riqueza. Mas estávamos desesperados por pedaços de conforto.

Talvez os Luanda Leaks não sejam tanto uma acusação de Isabel dos Santos, mas sim a fraqueza do Estado angolano. Devido ao regime cleptocrático do país, as empresas estatais transferiram de bom grado ativos para dezenas de familiares, políticos e generais. O pai de Isabel, o ex-presidente José Eduardo dos Santos, governou Angola por 38 anos e aperfeiçoou uma rede de patrocínios que despojou as instituições do partido e do estado de qualquer poder real. Hoje estamos vendo quão completo seu domínio foi.

Para os angolanos, as façanhas de Isabel não são mais novidade. Nem sequer são novidades em Portugal, o antigo mestre colonial de Angola. Em 2008, o jornalista angolano Rafael Marques fundou o site anticorrupção Maka Angola dedicado a expor a podridão. Um de seus primeiros artigos sobre Isabel dos Santos data de 2012, quando ele questionou como ela havia sido eleita para o conselho de administração da maior operadora de telefonia móvel de Angola. Até então, já estávamos questionando de onde vinha o dinheiro dela. Mas quem vai ouvir um jornalista africano?

"Somente quando jornalistas europeus e americanos abordaram o assunto, a questão se tornou séria o suficiente para que certos governos e a sociedade em muitos países começassem a prestar atenção", disse Marques em entrevista recente à emissora alemã Deutsche Welle. “Mais uma vez, nós angolanos e africanos em geral, continuamos a ter essa incapacidade crônica de reagir ao senso crítico de nossos próprios concidadãos, para que possamos olhar para nossas sociedades e trabalhar em solidariedade pelo bem comum.”

O que antes era discutido em voz baixa em torno das mesas de jantar angolanas foi agora espalhado nas primeiras páginas dos jornais do mundo. Os 
Luanda Leaks tornaram impossível fingir que Isabel dos Santos se tornou a mulher mais rica da África devido ao seu mérito ou perspicácia nos negócios. O que os angolanos falam é sobre a profundidade e a audácia de sua evasão: 715.000 documentos, 400 empresas de propriedade em todo o mundo, um labirinto de paraísos fiscais e empresas de fachada. 

Por anos, Dos Santos parecia intocável. Como a professora universitária sul-africana Claudia Gastrow escreveu em um artigo recente, uma rede de advogados, consultores de gestão e contadores "lavou" sua reputação. Ela posou para fotos do Instagram com Nicki Minaj e deu festas luxuosas. As universidades também estavam envolvidas: ela foi convidada para falar em Yale, na Universidade de Warwick e na London School of Economics. "Eles valorizavam o glamour de Dos Santos sobre os direitos de milhões de angolanos", observa Gastrow.

Ainda hoje, muitos angolanos ainda insistem que Dos Santos criou empregos. Tal é o nosso desespero pelos fragmentos de uma existência confortável que desenvolvemos uma síndrome de Estocolmo compartilhada. Parecíamos felizes com bilionários - desde que pudéssemos colocar comida e água em cima da mesa. Mas, como disse um usuário angolano do Twitter: “Roubo seu dinheiro, depois construo uma cantina e ofereço um emprego. Estou te ajudando?”

Depois que a guerra civil terminou em 2002, os altos preços do petróleo provocaram um boom econômico. Em vez de usar essa nova riqueza para investir em serviços sociais, saúde e educação, tão necessários, o dinheiro de Angola desapareceu em Malta e nas Maurícias. Quando os preços do petróleo despencaram no final da década passada, o mesmo ocorreu com a economia de Angola. Embora Dos Santos tenha emprestado de bancos nos quais ela era acionista majoritária, muitos pequenos empresários e angolanos comuns agora não conseguem empréstimos. A moeda estrangeira é escassa, o investimento estrangeiro é praticamente inexistente, os preços dispararam, o poder de compra caiu e as pessoas estão novamente questionando para onde foi o dinheiro.

Muitos dos culpados são corporações. A Sonangol , empresa estatal de petróleo de Angola responsável por mais de 90% das exportações angolanas, fez parceria com a Dos Santos em várias empresas conjuntas, tanto em casa como no exterior. A Sodiam, empresa nacional de diamantes de Angola, investiu capital em uma joint venture com Sindika Dokolo, marido de Dos Santos. Enquanto isso, o Banco Nacional de Angola permitia que os titulares de cargos públicos transferissem enormes quantidades de dinheiro para contas no exterior em todo o mundo.

Em última análise, porém, isso foi um fracasso do Estado - incapaz de enfrentar não apenas Isabel dos Santos, mas também seu irmão Zenu dos Santos e vários outros bilionários que usaram Angola como playground para enriquecimento próprio. O fato de terem sido auxiliados por parceiros dispostos como o Boston Consulting Group, KPMG e PwC, não surpreende - sofremos os escândalos Panama Papers, Paradise Papers e Gupta na África do Sul, todos envolvendo empresas ocidentais. No entanto, a falta de supervisão - nenhuma delas sinalizou Isabel dos Santos como um risco potencial de lavagem de dinheiro - ainda é notável.

O que Isabel não entende, e provavelmente nunca entenderá, é que as oportunidades concedidas a ela foram disponibilizadas por causa de quem é seu pai. Nos últimos anos de sua presidência, José Eduardo dos Santos se preocupou com seu legado. Em entrevista à emissora portuguesa SIC (ele raramente dava entrevistas à mídia angolana), o ex-presidente disse que queria ser lembrado como patriota. O legado de Dos Santos serão as contas bancárias offshore situadas em países que muitos angolanos nunca visitarão, para onde sua riqueza foi desviada.

• Cláudio Silva é um pequeno empresário e escritor baseado em Luanda

Automóveis fabricados na China cada vez mais populares


A China aumentou sua exportação de automóveis em quase 32%, de 46 para US$ 60,6 bilhões nos últimos cinco anos.