Servidor e serviços públicos

Arion Louzada

A captura do Estado brasileiro por interesses alheios aos do cidadão que paga impostos não deve ser deduzida à conta dos servidores públicos, mas sim à frações da classe política, por laços estreitos vinculada, faz muito, à práticas pouco republicanas. Exemplo dessas práticas o fabuloso número de funções de livre nomeação e o hábito de a cada legislatura inflar-se o aparelho estatal com a invariável contratação de terceirizados e a criação de novos cargos ‘de confiança’.

Em 2019, o Diário Oficial do Espírito Santo publicou, em edição do mês de julho, a criação de 307 cargos de livre nomeação no âmbito do Ministério Público, com aumento de gastos de R$ 28 milhões; cargos vagos que a moralidade administrativa recomenda deveriam ser providos por concurso público ou extintos. Assessores, 300 vagas; 4 FGs na corregedoria, 1 assessor de cerimonial e 3 assistentes de gabinete. Como assentir que esses ingressantes possam ter sido recrutados em razão de seu notório saber jurídico? Portadores fossem de saber jurídico publicamente notado submeter-se-iam a concurso público.

Aos que ostentam dificuldades para aprovação em um certame de provas e títulos socorre o método arraigado como costume, o 'jeitinho brasileiro', o acesso pela janela (ou pela porta dos fundos) ao aparelho do Estado, escapando à inconstância da sorte. Isso sucede em Assembleias Legislativas, Câmaras de Vereadores, empresas públicas, prefeituras, governos estaduais e federal. Não espanta que, se o contratado é ‘da confiança’ de um político, no Brasil, a só circunstância não o recomende aos olhos do povo.

Ainda assim, o Brasil entrega serviços públicos de boa qualidade, superiores em algumas áreas àqueles oferecidos por países mais desenvolvidos. De mencionar a EMBRAPA, os parques tecnológicos da UFRGS e da PUCRS, o Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste. Um livro não bastaria para elencar centros de excelência da área pública, que situam o Brasil em posição privilegiada no concerto da comunidade internacional dos povos.

Tudo é uma maravilha? Vimos que não. Mas, importa reconhecer o valor do funcionário público, recrutado em concurso, co-responsável pelo fortalecimento do Estado.

Relevante a tarefa de examinar-se o papel do Estado, como muito se cogita nesses dias, mas a análise implica - mais do que a discussão sobre o status dos servidores públicos -, a avaliação das remunerações e da quantidade de apadrinhados políticos que passeiam ou se acotovelam pelos desvãos das repartições públicas, em atividades nem sempre exatamente necessárias, sem jamais terem sido submetidos a quaisquer testes de conhecimentos e aptidões. No processo perverso instituído, trabalhadores terceirizados honestos e responsáveis também são vitimados, sujeitando-se a salários aviltantes, quando não obrigados a reparti-los com políticos corruptos nas denominadas 'rachadinhas'.

A manutenção desta ou aquela estrutura do Estado não é tarefa dos servidores públicos, mas sim dos agentes políticos. Não são os servidores públicos os responsáveis pelos bilhões de reais de prejuízos da Aneel ou das distribuidoras do sistema Eletrobrás, v.g., mas os domínios políticos ali incrustados. Os servidores são vítimas da ladroagem e da corrupção em igual proporção ao restante do conjunto dos nacionais que trabalham, empreendem e pagam impostos para sustentar a inépcia da gestão política.

Preconceitos contra os servidores públicos têm a só utilidade de confundir os sujeitos passivos do infortúnio de um Estado pouco eficiente. A fonte do desperdício de dinheiro público, da corrupção e dos bolsões de ineficiência, no Estado brasileiro, não é a pessoa que prestou concurso público, mas isso parece tão difícil observar quanto restaurar a vista aos cegos.

A lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, artigo 236, estabelece a data de 28 de outubro como o Dia do Servidor Público, no Brasil. Afinal, quem é esse servidor público? Servidor público é um brasileiro que entrega aos seus iguais os direitos de segunda geração, direitos positivos, direitos que o povo tem de reclamar do Estado a prestação devida. 

Servidores públicos têm que demonstrar exação, capacidade produtiva e eficiência o tempo todo; essa é a regra, esse o costume – não se sabe de quem tenha ousado infringi-los e permanecido feliz por muito tempo. Quem sabe isso sabe o serviço público no Brasil, mas para além disso, o quanto os servidores públicos brasileiros merecem e inspiram respeito.