Em tudo Deus

ROUSSEAU, Jean-Jacques

        Quantos perigos e caminhos ilusórios na investigação das ciências! Por quantos erros, mil vezes mais perigosos do que é inútil a verdade, não se tem de passar para chegar a ela! A desvantagem é visível, pois o falso é suscetível de uma infinidade de combinações e a verdade tem uma única maneira de ser. Aliás, quem a procura sinceramente? Mesmo com a melhor boa vontade, quais os indícios que asseguram o seu reconhecimento? Nessa multidão de sentimentos diferentes, qual será o nosso critério para julgá-los? E, o que é mais difícil ainda, se por felicidade enfim o encontramos, qual de nós saberá dar-lhe bom uso? Se nossas ciências são inúteis no objeto que se propõem, são ainda mais perigosas pelos efeitos que produzem. Nascidas na ociosidade, por seu turno a nutrem, e a irreparável perda de tempo é o primeiro prejuízo que determinam forçosamente na sociedade. Na política é um grande mal não se fazer de algum modo o bem e todo cidadão inútil pode ser considerado um homem pernicioso. 
        Respondei-me, pois, filósofos ilustres, vós por intermédio de quem sabemos por que razões os corpos se atraem no vácuo, quais são, nas revoluções dos planetas, as relações entre as áreas percorridas em tempos iguais; quais as curvas que têm pontos conjugados, pontos de inflexão e de retrocesso; como o homem vê tudo em Deus; como sem comunicação, se correspondem a alma e o corpo, tal como o fariam dois relógios - respondei-me, repito, vós de quem recebemos tantos conhecimentos sublimes, se não nos tivésseis nunca ensinado tais coisas, seríamos com isso menos numerosos, menos bem governados, menos temíveis, menos florescentes ou mais perversos?      Reconhecei, pois, a pouca importância de vossas produções e, se o trabalho dos mais esclarecidos de nossos sábios e de nossos melhores cidadãos nos proporciona tão parca utilidade, dizei-nos o que devemos pensar desses obscuros que, em pura perda, devoram a substância do Estado.
        Que digo? Ociosos? Quisera Deus que o fossem efetivamente! A sociedade estaria mais sossegada. Esses vãos e fúteis declamadores andam, porém, por todas as partes, armados com seus funestos paradoxos, minando os fundamentos da fé. Sorriem desdenhosamente da velha palavra pátria, e dedicam seus talentos e sua filosofia a destruir e aviltar quanto existe de sagrado entre os homens. Não que no fundo odeiem a virtude; é da opinião pública que são inimigos. Ó fúria de ser diferente, que poder o vosso!