Brasil emergente

Arion Louzada 

   Não é somente com determinação, engenho e apetência ao trabalho que assalariados prosperam. O que acontece na economia do país e com as oscilações próprias do ciclo de negócios do mercado internacional tem um peso significativo no balanço da prosperidade dos trabalhadores. Causando imenso impacto nesta sede em 2017 o déficit do orçamento brasileiro foi de 7,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e a dívida pública bruta ultrapassou 73% do PIB, saldo de condutas governamentais obtusas - mistura de subsídios, desonerações sem critérios, farra dos gastos públicos, corrupção e recessão (brutal desaceleração econômica que fez crescer as taxas de desemprego).

As consequências das crises econômicas surgidas sob o signo da incompetência de governos temporários têm por hábito ser duradouras e os seus efeitos são mais sentidos pelos que ganham menos.

O Brasil consome cerca de 12% de seu PIB em aposentadorias e pensões; o Chile, para citar um só exemplo, gasta 2% de seu PIB com aposentadorias e pensões. Um terço de tudo que produz o Chile exporta, enquanto as exportações brasileiras não alcançam 15% de seu PIB. Apesar de o Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br), considerado uma espécie de prévia do PIB, ter apresentado crescimento de 0,47% em agosto, comparado com o mês anterior deste ano, o déficit fiscal brasileiro em 2018 deve ficar em torno de 8%.

A política fiscal que arruinou a economia brasileira era insustentável desde o começo e em momento algum os governantes ocuparam-se com a estabilização e/ou redução do nível da dívida pública.

Essa dívida tem que diminuir em curto prazo. A carga tributária brasileira atingiu 32,43% do PIB em 2017. A redução da alíquota de 27,5% para 20% do imposto de renda não é uma boa ideia.

A economia global não dá sinais de que irá contribuir para a melhoria do quadro econômico brasileiro, pois deve crescer 3,7% em 2018 e 2019 com um rebaixamento de 0,2 pontos percentuais nos dois anos, em perspectiva do FMI. Ainda que permaneça sólido, nos próximos meses o crescimento nas economias avançadas deve desacelerar. O fundo calcula que os 45 países mais pobres - responsáveis por 10% da economia global - enfrentarão uma queda significativa em seus padrões de vida nos próximos cinco anos.

A desaceleração do crescimento global é uma realidade. A sinalização dos mercados, para maior desconforto, é de que essa desaceleração pode agravar-se ainda mais. A economia da Alemanha caiu 0,2% entre junho e setembro, o primeiro encolhimento na maior economia da Europa desde 2015. Se tratando de Brasil, especificamente, a previsão de crescimento para 2018 é de 1,4% e para 2019 de 2,4%. Em 2018 o PIB brasileiro cresceu 1% somente, até junho, e o real caiu 21% em relação ao dólar.

O enfrentamento da adversidade econômica brasileira passa pela urgente reforma do Estado: melhorar o PIB com a venda de ativos, eliminando desperdícios, implementando uma reforma decente da Previdência Social, concentrando investimentos em infraestrutura, qualificando o funcionalismo público, combatendo a corrupção, estimulando a atividade econômica privada. Taxas de câmbio flutuantes; Banco Central com independência para inflação melhor controlada.

Nações democráticas seguem a vontade do povo. Ultrapassado o circo do contencioso eleitoral, o país precisa desenvolver políticas capazes de produzir novos empregos, aumento de salários e crescimento inclusivo; inadmissível a permanência de 14 milhões de desempregados, enquanto o desemprego é historicamente baixo nas economias avançadas.

O Brasil tem que consolidar seu orçamento, melhorar suas finanças públicas. O país carece de melhor regulamentação financeira e de uma política fiscal mais bem disciplinada. A capacidade de investir decorre inevitavelmente de alto superávit comercial e baixa dívida pública. O governo precisa ter mais cuidado com o comércio internacional, para a construção de uma economia forte, com capacidade para suportar os movimentos dos mercados ainda quando estes ocorram em cenário de clima político pouco claro, como destes dias.

O Brasil está entre os cinco maiores produtores mundiais de algodão, ao lado dos EUA, China, Índia e Paquistão. O Brasil também é um grande produtor e exportador de açúcar e o maior produtor e exportador de café do mundo. A última safra de café colhida pelo Brasil foi recorde. Mas, os preços do café, assim como os do açúcar, estiveram baixos no mercado internacional, arrastados pela fragilidade do real. 

Algodão, açúcar e café são negociados em moeda norte-americana. Os fundos de hedge apostaram recentemente contra o açúcar e o café, especialmente, duas commodities que nos últimos dias recuperam os preços, mas permanecem vinculados às flutuações do real; a fragilidade do real pode impulsionar os exportadores brasileiros a produzir e vender mais café para maximizar seus lucros.

O Brasil move-se vagarosa e tortuosamente nos caminhos da industrialização; nesta década experimenta, em algumas áreas, movimento de desindustrialização, acompanhada esta da ausência de investimentos em infraestrutura. Como investir em infraestrutura com essa dívida pública e sem produzir superávit comercial significativo?

Já que o país cultiva carinhosamente a dependência das commodities poderia esforçar-se, pelo menos, em atrair a Turquia, por exemplo, quinto maior consumidor de algodão do mundo, para vender mais algodão àquele país, cujas usinas encontram-se em dificuldades para seguir comprando dos EUA, por causa das pressões comerciais de Trump e seu imposto anti-dumping. Oportunidade ótima para os produtores brasileiros de algodão substituírem seus iguais norte-americanos no grande mercado turco. 

A Turquia é um player importante; o Irã outro, no âmbito dos mercados internacionais. Até o final de 2018 a república islâmica importará 2,6 milhões de toneladas de soja, boa parte desse volume para atender sua indústria avícola. O Brasil precisa aproveitar as oportunidades decorrentes da guerra comercial EUA-China. 

Sobre commodities, ademais disso, os produtores brasileiros também estão se beneficiando com as disputas comerciais entre EUA e a China. As importações da China cresceram a uma taxa média anual de 9% na última década - ultrapassando o crescimento das exportações - e atingiram US $ 2,1 trilhões em 2017. As vendas dos EUA para a China em 2018 estão quase 90% abaixo das de 2017, de acordo com o Departamento de Agricultura americano. Pequim aumentou as tarifas sobre a exportação de soja dos EUA. A China é a maior importadora mundial de soja: responde por 60% das importações globais.

A voraz demanda da potência asiática e a encrenca desta com os EUA permitiu um aumento no preço da soja brasileira de mais de 30% somente em 2018. O Brasil exportou para a China 54 milhões de toneladas de soja, de fevereiro a setembro de 2018, segundo a AgriCensus. A população mundial até o ano de 2050 deve crescer  para 10 bilhões de pessoas, o que implica aumento espetacular da demanda por alimentos. Os produtores brasileiros de commodities - principalmente de soja, algodão, trigo e milho -, têm pela frente o desafio de produzirem mais consumindo menos recursos.

O Brasil aumentou sua participação nas importações chineses de soja até agosto de 2018 em 66%, de acordo com o USDA. O problema é que os esmagadores de soja brasileiros estão ficando sem matéria prima para processar; a farinha de soja sustenta as indústrias de carne aqui no Brasil.



         O governo brasileiro deve atuar em favor do produtor nacional de soja, mas não sem proteger a indústria de esmagamento dos grãos dos quais extrai óleo, farinha e farelo, multiplicando a geração de empregos.

O Governo brasileiro não pode seguir complacente diante das reversões dos fluxos de capital e do avanço das barreiras comerciais. Com suas políticas protecionistas EUA e China estão criando riscos que afetam seriamente as empresas. Inverossímil que o Brasil tenha que importar soja dos EUA para evitar o colapso de sua indústria do setor.

A inflação no Brasil atingiu 4,5% em julho de 2018, mas não é possível esquecer que o déficit brasileiro em conta corrente diminuiu de 4,3% do PIB em 2014 para 0,5% em 2017.

O novo acordo de livre-comércio com o Chile - país que depois da Argentina é o principal parceiro comercial brasileiro na América Latina -, ajudará o Brasil a se integrar mais ao mercado internacional. Do acordo pode resultar a eliminação da cobrança de roaming internacional para telefonia e dados. O Brasil é o país que mais recebe investimentos chilenos no exterior. Isso é bom, mas não é o bastante.

Do governo a nação reclama a importação de bens a preços acessíveis (produtos mais caros e menos opções para o consumidor invariavelmente resultam de restrições comerciais), estímulos à modernização do parque industrial, juros baixos, a implementação de reformas fiscais significativas e que o custo econômico da recessão não seja suportado somente pelos trabalhadores.

Se ao governo cumpre proteger a nação dos riscos dos negócios de que participa no âmbito internacional ele também precisa oferecer um ambiente atraente para o investidor estrangeiro. A competição entre os países pelo investimento de capital é crescente. O Brasil precisa estar comprometido com a liberalização e facilitação dos investimentos e do comércio.

Programas públicos têm que ser implementados com o fim de mitigar os efeitos prejudiciais da recessão que tendem ser mais fortes sobre os trabalhadores de baixa renda. O crescimento espetacular do consumo na China não é infinito. O Brasil precisa tornar-se mais forte para ultrapassar desequilíbrios provocados nos mercados com eventual brusca desaceleração da economia chinesa. Para além disso, os produtores brasileiros não podem titubear quanto à prospecção de novos negócios e expansão das exportações, por mais difícil que a empresa por agora se apresente. Empresário astuto tem que saber lidar com o clima variado das mudanças no quatro político. 

Ainda que a ventania pareça soprar em desfavor do Brasil pode não ser de todo louco ir ao seu encontro. Afinal, como em antiga máxima, a esperança é o sonho dos acordados.

Superar o anacronismo

O Brasil judicializou a vida. O Direito precisa ser a fórmula de tornar o ser humano feliz

José Renato Nalini
O Estado de S.Paulo


   O Brasil precisa acordar e ter coragem de enfrentar problemas que, aparentemente menores, contribuem para afligir a Nação e seus sacrificados habitantes. Nem todos a fruir o status civitatis, ou seja, não conseguem ser cidadãos, ter o direito a exercer direitos, diante de estruturas arcaicas e inertes.
   Um dos cenários evidentes para quem está fora do Brasil é a fragílima situação do sistema de Justiça. O Brasil judicializou a vida. Mais de uma centena de milhões de processos infernizam a rotina de outros milhões de brasileiros. Tudo é levado à apreciação de um juiz, que depois de decidir verá a sua decisão ser aferida por um tribunal de segunda instância. Mas não para aí a peregrinação de quem precisa da Justiça: o processo pode chegar à terceira instância, em geral o Superior Tribunal de Justiça e, não raro, atingir a quarta instância, o Supremo Tribunal Federal. 
   Esse percurso tortuoso se submete a várias dezenas de possibilidades de reapreciação do mesmo tema, pois imerso num caótico sistema recursal. O processo passou a ser a grande chave para que algo chegue a uma definição ou, muitas vezes, deixe de ser examinada a substância da controvérsia.
   É óbvio que a cultura jurídica é uma causa eficiente desse fenômeno. Quando Pedro I quis produzir uma burocracia tupiniquim e cortar o cordão umbilical com a Faculdade de Direito de Coimbra, ele foi buscar naquela fonte o modelo até hoje vigente. O ensino coimbrão já contava em 1827 com experiência quase milenar, pois inspirado em Bolonha, uma das mais antigas universidades do continente europeu.
  Transplantado para o Brasil, com a gloriosa São Francisco e a Faculdade de Olinda, logo depois transferida para o Recife, replicou o padrão que se manteve inalterado, salvo exceções, até o século 21. O ensino é compartimentado, cada disciplina merece toda a atenção do titular e do departamento, em regra uma não conversa com a outra. Insiste-se na memorização, prevalece o magister dixit: alguém detém o conhecimento e o transmite ao aluno, “tábula rasa” que nada sabe e vai se abeberar na fonte de saber, o catedrático.
  Duas coisas apenas mudaram. Primeira, o milagre da criação de Faculdades de Direito. Hoje o Brasil tem, sozinho, um número de escolas para o ensino da ciência jurídica em escala superior à soma de todas as outras que existem no planeta. Os Estados Unidos, por exemplo, continuam com suas 330 faculdades. Nós já chegamos a 1.300. 
  Segunda alteração: o processo ganhou autonomia científica. Houve um tempo em que ele era denominado um direito “adjetivo”: servia como instrumento para que a substância, o “direito substantivo”, chegasse às mãos e à consciência do juiz. Tanto lutaram os processualistas que de instrumento ele passou a ser essência. Hoje o processo e o procedimento são mais importantes que o mérito. Perscrute-se a porcentagem de lides que terminam apenas processualmente e não veem analisada a questão de fundo que levou a parte a procurar o socorro judicial.
   Foi esse desenvolvimento que causou o paroxismo do “quádruplo grau de jurisdição”, quando o mundo inteiro se satisfaz com o “duplo grau de jurisdição”, hoje tão menosprezado.
   O ensino jurídico precisa se atualizar. Afinal, a 4.ª Revolução Industrial sacrifica profissões, cerca de 701 delas tendem a desaparecer. A automação substituirá milhões de funções. A inteligência artificial compete e pode ganhar da inteligência humana, como já aconteceu com o Watson, vencedor de várias partidas de xadrez com os mais festejados xadrezistas. A internet de todas as coisas, a computação quântica, a robótica, tudo é diferente. O Direito precisa voltar a ser a fórmula de tornar o ser humano feliz. Ou de reduzir a carga de atribulações a que ele está submetido nesta efêmera e frágil passagem pelo planeta.
   Missão quase impossível é convencer os educadores da ciência do Direito de que hoje as habilidades cognitivas não são tão importantes, pois o conhecimento está disponível para todos e nunca foi tão acessível. O que importam são as competências socioemocionais, como a empatia, a flexibilidade, a capacidade de comunicação e de readaptar-se continuamente, o talento para a harmonização, a busca da paz, da concórdia e do diálogo. Temas que nem sequer são cogitados por um sistema que ainda enxerga o processo como a mais adequada estratégia de solucionar um problema.
  Enquanto não se atinge a maturidade cívica e a lucidez não orientar os que podem proceder às mudanças, pelo menos os concursos públicos para as carreiras jurídicas poderiam merecer adequação. Qual o significado de se exigir de um futuro juiz, promotor, defensor, procurador, delegado de polícia ou delegatário de serviço extrajudicial a memorização e o domínio mnemônico de um acervo enciclopédico de informações? Para que decorar toda a legislação, toda a doutrina e toda a jurisprudência, se a tríade pode ser localizada em segundos mediante utilização do Google?
   O Brasil precisa mais é de pessoas sensíveis, equilibradas, prontas para o inesperado. Capazes de se reformular. Tolerantes. Compassivas. Atentas às vulnerabilidades dos semelhantes. Emotivas. Caridosas. Compreensivas. 
   A erudição arrogante pode fazer a sua parte. Decidir e pôr fim ao processo. Nem sempre – ou quase nunca – encerrar o conflito. Denunciar, ainda que às vezes de forma temerária. Assim por diante, replicando a praxe tecnicista, intensificando a nefasta influência da burocracia, afligindo ainda mais o aflito que necessita dos préstimos da Justiça.
   Os concursos públicos precisam aprender com a iniciativa privada, que nunca entregaria a uma comissão ad hoc, sem experiência em recrutamento, a grave missão de renovar os quadros de que necessita para atender às finalidades para as quais ela é preordenada. 
   Quem ousaria pensar nisso?

* Ex- presidente da Academia Paulista de Letras. Autor de 'Ética Geral e Profissional', 13ª Ed. RT-THOMSON.