A defesa da economia de mercado e a redução do perímetro de
intervenção do Estado.
CARVALHOSA, Modesto
Como nos alertou o editorial do Estado de 18 de junho, foi declarada guerra à
Lava Jato, sob o comando do notório Eliseu Padilha.
Não é de hoje que os
corruptos profissionais da política, que infestam este país, por força da longa
dominação lulopetista, estão a conspirar contra a Operação Lava Jato. A partir
de dezembro de 2014 as primeiras manifestações públicas apareceram, como aquela
célebre declaração de Dilma Rousseff – ao diplomar-se perante o TSE – a favor
das empreiteiras do cartel da Petrobrás, que, segunda ela, deveriam ser
poupadas de qualquer sanção, sob o pretexto de manutenção de empregos. Típico
crime de responsabilidade, por prevaricação e favorecimento (art. 85, VII da
Constituição federal).
Essa declaração
oficial da presidente ora afastada contrariou, ademais, o fundamental princípio
constante do art. 5.º do Tratado da OCDE (do qual se origina a nossa Lei
Anticorrupção, de 2013): os Estados signatários não podem invocar o argumento
de danos à atividade econômica para deixar de punir as empresas corruptas. E, com efeito, essa
política de acobertamento dos crimes de corrupção praticados pelas empreiteiras
foi sistematicamente implementada pelo governo petista, na medida em que
manteve todos os contratos por elas firmados com a União, notadamente no
Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), certamente o
maior antro de corrupção do planeta Terra.
E promoveu, ademais,
o governo afastado uma insidiosa e firme legalização da corrupção empresarial,
por meio da “regulamentação” da Lei Anticorrupção (Decreto n.º 8.420, de 2015)
e de portarias da Controladoria-Geral da União (CGU), culminando com a hedionda
Medida Provisória (MP) n.º 703, de 18/12/2015. Este mostrengo permitia às
empreiteiras corruptas, mediante a adoção de um arremedo de “programa de
compliance”, firmar um “acordo de leniência”, ou seja, de perdão, para, assim,
continuarem contratando com a União, Estados, municípios e, óbvio, com as
empresas estatais.
Além disso, a MP
dilmista dispensava o ressarcimento dos danos causados ao Estado em virtude das
práticas corruptivas, levantadas na Lava Jato, sendo, em consequência, extintos
os (22) processos promovidos pelo Ministério Público contra as empreiteiras do
cartel da Petrobrás.
Essa MP n.º 703 –
verdadeiro corpo de delito – foi rejeitada pelo Congresso, por decurso de
prazo, pois nenhum parlamentar ousou colocar suas mãos em tão escabrosa
iniciativa do governo lulopetista.
Mas não é que agora
– pasmem – o novo titular da CGU, ora denominado Ministério da Transparência,
senhor Torquato Jardim, deseja ressuscitar essa malfadada iniciativa pro corrupcione, mediante nova medida provisória
ou projeto de lei, com a conhecida fórmula acobertadora do crime: basta às
empreiteiras corruptas adotarem internamente o milagroso “regime de compliance”
(?!) para que voltem definitivamente ao mundo maravilhoso dos contratos
fraudulentos com o governo, tendo, ainda, como prêmio do bom comportamento
prometido, a extinção imediata de todos os processos judiciais promovidos pelo
Ministério Público, visando à devolução integral das dezenas de bilhões que
roubaram dos cofres do Estado.
O céu é o limite.
Para tanto, o senhor Torquato reuniu altos funcionários de três ministérios
para diluir, evidentemente, a sua responsabilidade funcional por tão explícito
favorecimento às empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato. Ao assim agir,
o titular da Transparência (?!) está cometendo crime de improbidade
administrativa, ao ferir escancaradamente os princípios constitucionais da
moralidade e da impessoalidade (art. 37 da Constituição federal).
Mas a coisa feia não
para por aí. Agora, centenas de políticos, com mandatos e cargos administrativos,
atuais ou passados, estão sendo apontados por seus comparsas do crime e, com
isso, investigados, indiciados, denunciados e processados, o que é
absolutamente inadmissível, na visão deles, como muito bem apontou o estupendo
editorial do jornal O Estado de S. Paulo.
E não somente estão
eles pessoalmente nas malhas da lei, mas também as suas beneméritas agremiações
políticas ameaçadas de autodissolução – como ocorreu na Itália ao tempo da
Operação Mani Pulite – ou de dissolução judicial, como preveem as nossas Leis
Eleitorais e a Lei Anticorrupção (art. 19, III).
Daí o grito de
guerra do indefectível Eliseu Padilha, dando materialidade à obstrução de
Justiça cogitada nos edificantes diálogos entre o delator Sérgio Machado e os
estadistas Sarney, Renan e Jucá.
Ou a Operação Lava
Jato para, fica onde está e cessam a partir de agora os seus trabalhos, ou
haverá uma medida drástica – uma lei (?!) – dissolvendo a força-tarefa e
extinguindo os processos de investigação e judiciais em curso, sob o fundamento
de “abuso de poder” da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça
Federal alocada em Curitiba.
A advertência do
portentoso Padilha é explícita: a Lava Jato deve ser encerrada, sob pena –
pasmem, mais uma vez – de ocorrer um vácuo de poder. O raciocínio é típico dos
malfeitores que dominam a nossa vida política. Se nós, corruptos – que formamos
a maioria do Congresso –, formos condenados, não haverá mais República, pois
nós somos a dita cuja! Somos insubstituíveis! A Operação Lava Jato, pois, quer
destruir a República e assumir, ela própria, o poder.
Por isso os
políticos corruptos clamam por uma medida de força que leve à substituição do
poder da lei pelo poder do crime.
Essa campanha
desabusada demanda uma reação urgente, uma mobilização ampla da cidadania
brasileira para impedir que se perca o principal patrimônio institucional e
moral que resultou da corrupção sistêmica do lulopetismo: a nossa Operação Lava
Jato, reconhecida no mundo todo e que, diariamente, resgata a nossa dignidade
de brasileiros. Pelo visto, precisamos voltar às ruas, e muito breve.
* Modesto Carvalhosa é jurista e autor, entre outros livros, de
'Considerações Sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas' e 'O Livro
Negro da Corrupção'
A Justiça e os decaídos
Sergio Moro*
Tommaso
Buscetta é provavelmente o mais notório criminoso que, preso, resolveu colaborar
com a Justiça. Um detalhe muitas vezes esquecido é que ele foi preso no
Brasil, onde havia se refugiado após mais uma das famosas guerras mafiosas na
Sicília. No Brasil, continuou a desenvolver suas atividades criminosas através
do tráfico de drogas para a Europa. Por seu poder no Novo e no Velho Mundo, era
chamado de “o senhor de dois mundos”.
Após sua extradição para Itália, o célebre
magistrado italiano Giovanni Falcone logrou convencê-lo a se tornar um
colaborador da Justiça. Suas revelações foram fundamentais para basear, com
provas de corroboração, a acusação e a condenação, pela primeira vez, de chefes
da Cosa Nostra siciliana. No famoso maxiprocesso, com sentença prolatada em
16/12/1987, trezentos e quarenta e quatro mafiosos foram condenados, entre eles
membros da cúpula criminosa e o poderoso chefão Salvatore Riina, que, pela
violência de seus métodos, havia ganho o apelido de “a besta”. Para ilustrar a
importância das informações de Tommaso Buscetta, os magistrados italianos
admitiram que, até então, sequer conheciam o verdadeiro nome da organização
criminosa. Chamavam-na de Máfia, enquanto os próprios criminosos a denominavam,
entre si, de Cosa Nostra.
Sammy “Bull” Gravano era o braço direito
de John Gotti, chefe da Família Gambino, uma das quais dominava o crime
organizado em Nova York até os anos oitenta. John Gotti foi processado
criminalmente diversas vezes, mas sempre foi absolvido, obtendo, em
decorrência, o apelido, na imprensa, de “Don Teflon”, no sentido de que nenhuma
acusação “grudava” nele. Porém, através de uma escuta ambiental instalada em
seu local de negócios e da colaboração de seu braço direito, foi finalmente
condenado à prisão perpétua nas Cortes Federais norte-americanas, o que levou
ao desmantelamento do grupo criminoso que comandava.
Mario Chiesa era um político de médio
escalão, responsável pela direção de um instituto público e filantrópico em
Milão. Foi preso em flagrante, em 17/02/1992, por extorsão de um empresário
italiano. Cerca de um mês depois, resolveu confessar e colaborar com o
Ministério Público Italiano. Sua prisão e colaboração constituem o ponto de
partida da famosa Operação Mãos Limpas, que revelou, progressivamente, a
existência de um esquema de corrupção sistêmica que alimentava, em detrimento
dos cofres públicos, a riqueza de agentes públicos e políticos e o
financiamento criminoso de partidos políticos na Segunda República italiana.
Nenhum desses três indivíduos foi preso ou
processado para se obter confissão ou colaboração. Foram presos porque faziam
do crime a sua profissão. Tommaso Buscetta foi preso pois era um mafioso e
traficante. Sammy Bull Gravano, um mafioso e homicida. Mario Chiesa, um agente
político envolvido em um esquema de corrupção sistêmica, no qual a prática do
crime de corrupção ou de extorsão havia se transformado na regra do jogo.
Presos na forma da lei, as suas
colaborações foram essenciais para o desenvolvimento de casos criminais que
alteraram histórias de impunidade dos crimes de poderosos nos seus respectivos
países.
Pode-se imaginar como a história seria diferente se não tivessem colaborado ou se, mesmo querendo colaborar, tivessem sido impedidos por uma regra legal que proibisse que criminosos presos na forma da lei pudessem confessar os seus crimes e colaborar com a Justiça.
Pode-se imaginar como a história seria diferente se não tivessem colaborado ou se, mesmo querendo colaborar, tivessem sido impedidos por uma regra legal que proibisse que criminosos presos na forma da lei pudessem confessar os seus crimes e colaborar com a Justiça.
É certo que a sua colaboração interessava
aos agentes da lei e a própria sociedade, vitimada por grupos criminosos
organizados. Essa é, aliás, a essência da colaboração premiada. Por vezes,
somente podem servir como testemunhas de crimes os próprios criminosos, então
uma técnica de investigação imemorial é utilizar um criminoso contra seus
pares. Como já decidiu a Suprema Corte norte-americana, “a sociedade não pode
dar-se ao luxo de jogar fora a prova produzida pelos decaídos, ciumentos e
dissidentes daqueles que vivem da violação da lei” (On Lee v. US, 1952).
Mas é igualmente certo que os três
criminosos não resolveram colaborar com a Justiça por sincero arrependimento. O
que os motivou foi uma estratégia de defesa. Compreenderam que a colaboração
era o melhor meio de defesa e que, somente através dela, lograriam obter da
Justiça um tratamento menos severo, poupando-os de longos anos de prisão.
A colaboração premiada deve ser vista por
essas duas perspectivas. De um lado, é um importante meio de investigação.
Doutro, um meio de defesa para criminosos contra os quais a Justiça reuniu
provas categóricas.
Preocupa a proposição de projetos de lei
que, sem reflexão, buscam proibir que criminosos presos, cautelar ou
definitivamente, possam confessar seus crimes e colaborar com a Justiça. A
experiência histórica não recomenda essa vedação, salvo em benefício de
organizações criminosas. Não há dúvida de que o êxito da Justiça contra elas
depende, em muitos casos, da traição entre criminosos, ou seja, do rompimento
da reprovável regra do silêncio. Além disso, parece bastante difícil justificar
a consistência de vedação da espécie com a garantia da ampla defesa prevista em
nossa Constituição e que constitui uma conquista em qualquer Estado de Direito.
Solto, pode confessar e colaborar. Preso, quando a necessidade do direito de
defesa é ainda maior, não. Nada mais estranho. Acima de tudo, proposições da espécie
parecem fundadas em estereótipos equivocados em relação ao que acontece na
prática, pois muitos criminosos, mesmo em liberdade, decidem, como melhor
estratégia da defesa, colaborar, não havendo relação necessária entre prisão e
colaboração.
Na assim denominada Operação
Lava Jato, considerando os casos já julgados, é possível afirmar que foi
identificado um quadro de corrupção sistêmica, no qual o pagamento de propina
tornou-se regra na relação entre o público e o privado. No contexto, importante
aproveitar a oportunidade das revelações e da consequente indignação popular
para iniciar um ciclo virtuoso, com aprovação de leis que incrementem a
eficiência da Justiça e a transparência e a integridade dos contratos públicos,
como as chamadas dez medidas contra a corrupção apresentadas pelo Ministério
Público ou outras a serem apresentadas pelo novo Governo. Leis que visem
limitar a ação da Justiça ou restringir o direito de defesa, a fim de atender
interesses especiais, não se enquadram nessa categoria.
Sergio Fernando Moro, Juiz
Federal
O Estado de S. Paulo
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